Hoje não está sendo um dos melhores dias. Acordei um tanto desanimado e comecei a atualizar umas fotos que estavam/estão com problema no blog como forma de aproveitar o tempo e a pouca inspiração, mas depois até apareceu uma animação para escrever sobre o protogiallo que eu vi ontem, A MULHER DO LAGO (1965), de Luigi Bazzoni e Franco Rossellini. Mas aí soube de uma notícia que abalou minhas estruturas: a morte de um amigo querido, dos tempos do Coral do IBEU, o Márcio. Logo agora que a turma estava se reunindo para um projeto (à distância) em plena pandemia. E aí fiquei pensando no quanto ele era divertido, mas também no quanto a nossa vida é um sopro. Ontem ele estava; hoje já não está mais. Nunca vou me esquecer da viagem para o Cumbuco, quando a gente (ele, Nilberto e Paulo Hugo e eu) fomos ver a final da Copa de 94. Foi a única final de Copa divertida para mim. Tratemos de nos manter vivos nestes tempos sombrios, então.
Vamos ver, então, se consigo escrever alguma coisa sobre o filme de ontem. Curiosamente, é também um filme que lida com o espanto diante da notícia da morte de alguém. Na trama, um escritor de romances, Bernard (Peter Baldwin), viaja a um local no litoral onde costumava passar as férias no passado. Ele se instala em um hotel bastante interessado em rever uma bela mulher que ele conhecera da última vez. Essa mulher, Tilde (Virna Lisi), aparece constantemente em suas memórias. Acontece que ele descobre que Tilde está morta. Supostamente se suicidou. Sem acreditar no ocorrido, e bastante desconfiado com as circunstâncias que levaram à morte de Tilde, Bernard procura investigar.
A investigação dele não chega a ser parecida com à de um policial. E muito do que ele pensa, mesmo em situações de confusão mental, é exposto em uma voice-over que nos aproxima do personagem, de suas angústias, do desejo que nutria por Tilde, e pela crescente desconfiança de que ela teria sido de fato assassinada pelo dono do hotel ou alguém muito próximo. A fotografia em preto e branco em tons claros dá um ar etéreo para a obra. Inclusive, muitas das cenas se passam durante o período frio. Em uma delas, Bernard está esperando uma mulher que ele acredita que poderá lhe contar algum segredo e enquanto espera ele se sente com muito frio e com febre.
É interessante como o cinema italiano da década de 1960 era rico. Além dos grandes mestres, autores respeitados em festivais mundo afora, havia os chamados filmes de gênero (gialli, filmes de horror, spaghetti westerns, filmes políticos, comédias populares, sci-fies, filmes de fantasia e de aventuras passados na antiguidade etc.). E às vezes havia filmes que não se enquadravam em certos gêneros e ficavam um tanto perdidos no meio de tudo. Talvez seja o caso de A MULHER DO LAGO, que traz inúmeros elementos que seriam popularizados no giallo, mas que se aproxima mais de um thriller psicológico dramático com tintas surrealistas.
Muito do que é mostrado na ação vem dos sonhos e dos delírios do protagonista. Tudo o que vemos de Tilde vem das lembranças dele. Há até a repetida imagem do olho (figura tão recorrente nos gialli) testemunhando a mulher na cama com outro homem. E assim Virna Lisi, ainda que tenha uma participação muito pequena, é a imagem que mais é lembrada ao final da projeção. Também ficamos com a forte lembrança do som do vento frio, das imagens do hotel vazio e de um clima fantasmagórico no ar.
+ TRÊS FILMES (CURTOS)
YES, GOD, YES
Aproveitando que postaram a legenda tanto para o curta quanto para o longa da mesma diretora e com a mesma atriz, vi logo o curta, de apenas 11 minutos. Quem viveu a internet discada vai se identificar; e quem já teve bases religiosas que trouxeram culpa para a consciência por causa do sexo e da masturbação também. O filme trata isso com muito senso de humor. Adoro a cena final. Mas todo o curta é muito agradável, parecendo mesmo uma preparação para o que a diretora faria a seguir. Nem sei se ficou bom o longa ainda, mas imagino que seja no mínimo bem divertido. Direção: Karen Maine. Ano: 2017.
FIRE (POZAR)
Tentar chegar a este filme pelo caminho da razão é difícil, já que o trabalho de David Lynch, que muitas vezes já é um tanto hermético, se torna ainda mais complicado quando ele usa o recurso da animação, que possibilita mais abstrações. Assim, o melhor caminho para se aproximar deste filme é outro, o da emoção talvez. Alguns simbolismos são bem próprios do Lynch, como o fogo, tão presente e que aqui se destaca novamente. Na página de divulgação do filme, Lynch falou que, no projeto, apresentado a alunos de uma escola de música em 2015, em parceria com o compositor Marek Zebrowski, o diretor não falaria nada de suas intenções para o músico. Ele veria as imagens e comporia a trilha a partir de suas próprias interpretações. É, certamente, o caso de filme para rever algumas vezes para prestar atenção em mais detalhes. Ano: 2015.
CLANDESTINA FELICIDADE
Não sabia da existência deste curta, um dos primeiros trabalhos de Marcelo Gomes, antes de estrear em longa com CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS (2005). O que muito me animou, ao ser apresentado por ele, foi o meu recente encantamento com o conto "Felicidade Clandestina", de Clarice Lispector, uma ode ao prazer de ler como raramente se vê. E há também toda a beleza do universo infantil e o universo da própria escritora, que é explorado em pequenos momentos do filme, que não é uma adaptação cena a cena do conto, o que é até bom. O que o conto tem de lindo no modo como termina, o curta tenta emular no sorriso de felicidade da menina Luísa Phebo. Adorei! Direção: Marcelo Gomes e Beto Normal. Ano: 1998.
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