segunda-feira, novembro 17, 2008

A MORTA-VIVA (I Walked with a Zombie)



Desde que vi no documentário de Martin Scorsese sobre a história do cinema americano a ênfase e o entusiasmo que ele manifestou com os filmes de horror produzidos por Val Lewton, em especial o pioneiro SANGUE DE PANTERA (1942), fiquei interessado nos filmes desse ciclo. Acontece que não sou exatamente um fã de SANGUE DE PANTERA, embora o considere um ótimo filme. O que me entusiasmou para ver os demais trabalhos de Lewton foi a descoberta da obra-prima A SÉTIMA VÍTIMA (1943), de Mark Robson. Daí veio a vontade de ver mais filmes dessa safra.

A MORTA-VIVA (1943), cuja edição foi feita por Robson, é impressionante. Bem superior a SANGUE DE PANTERA, o filme traz o diretor Jacques Tourneur provavelmente no auge de suas habilidades. É prazeroso ver como ele constrói tão bem um clima de horror a partir do jogo de luz e sombras. Perto desse filme, as obras produzidas pela Universal, os chamados "filmes de monstro", tornam-se até um pouco vulgares. A MORTA-VIVA tem uma sofisticação e uma ambigüidade que o faz especial. Sem falar que o filme possui seqüências de arrepiar, brilhantemente construídas.

Na trama, uma enfermeira canadense (Frances Dee) é chamada para cuidar de uma mulher doente na ilha de San Sebastian, no Caribe. No barco, a caminho da ilha, ela fica fascinada pelas belezas naturais, mas vai tendo logo esse encanto quebrado por um homem que puxa conversa com ela e tenta convencê-la de que aquilo que lhe parece belo é na verdade apenas natureza em estado de putrefação, cheirando à morte. Esse homem, dono de plantações de cana-de-açúcar e um dos mais ricos da região, é esposo da mulher de quem ela vai cuidar. Sua mulher está em estado zumbiesco. Não demonstra vontade própria, não fala e parece viver em outro mundo. Às vezes anda sozinha pela noite, como uma sonâmbula.

Depois de uma cena atmosférica e envolvente na qual somos apresentados a essa mulher, o filme sofre uma reviravolta no momento em que a enfermeira aceita os conselhos de uma serva do patrão e tenta buscar uma cura para a doença da mulher através de cerimônias de magia. A cena em que a enfermeira leva a "zumbi" para esse lugar é o ápice do filme, o momento mais mágico, tanto no sentido cinematográfico, quanto no sentido de que é nessa hora que o coração mais palpita de ansiedade diante do que pode acontecer.

A figura do guardião negro de aspecto assustador e olhos esbugalhados que fica parado na encruzilhada no meio da plantação de cana, a bela fotografia que ressalta o horizonte noturno como em noites de lua cheia e o fato de a enfermeira estar fazendo algo às escondidas, tudo isso forma, num conjunto, um dos momentos mais mágicos da história do cinema. Não é à toa que esse ciclo de Val Lewton é tão admirado pelos especialistas em cinema de horror, cinéfilos de bom gosto e críticos de cinema em geral. É que se trata de algo excepcional mesmo. E pensar que esses filmes foram elaborados a partir de um título ou de um cartaz e não originalmente a partir de uma estória ou de uma obra literária... Isso me deixa ainda mais admirado com esses realizadores cujo talento era inversamente proporcional aos recursos de que eles dispunham.

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