sábado, janeiro 22, 2022

EDUARDO E MÔNICA



E o legado de Renato Russo, o mentor daquela que eu considero a melhor banda de rock do Brasil, segue sendo absorvido pelo cinema. René Sampaio, mesmo diretor de FAROESTE CABOCLO (2013), repete o posto nesta segunda adaptação de uma letra da Legião Urbana para as telas. EDUARDO E MÔNICA (2020) demorou um bocado para ser lançado por causa da pandemia. As duas únicas exibições públicas haviam sido no Festival de Miami, em março de 2020, e no Festival de Edmonton, no Canadá, em outubro de 2020. Como não foi exibido em nenhum festival online, o filme conseguiu escapar de eventuais vazamentos e chegou aos cinemas agora, durante o surto da variante Ômicron, mais leve que a anterior, mais bastante transmissiva e que vem trazendo muitos transtornos e preocupações. Então, infelizmente, ainda não é o melhor dos momentos para um filme que se propõe um programa mais leve para tempos pesados. 

Ao contrário de FAROESTE CABOCLO, que já se antecipava como uma história trágica, EDUARDO E MÔNICA já se antecipa como uma comédia romântica. A letra de Renato Russo conta brevemente a história, mas está longe de ser um roteiro de cinema. Estaria mais para um esqueleto de história se o refrão já não sugerisse uma ênfase na questão da diferença do casal e na ironia cantada nos versos “Quem um dia irá dizer que não existe razão / Nas coisas feitas pelo coração?”.

O roteiro, a cargo de Matheus Souza, posteriormente passou pela mão de outras quatro pessoas. O aspecto mais verborrágico do estilo de Souza é atenuado, e por mais que eu goste muito do trabalho dele – que funcionou perfeitamente em ANA E VITÓRIA (2018), para citar um filme também relacionado ao mundo da música –, o time de roteiristas e o diretor acertaram em trazer mais silêncios para a história. Aliás, a própria Mônica (Alice Braga) é uma mulher de poucas palavras, o que a princípio pode gerar um pouco de antipatia pela personagem, ou talvez um tom de superioridade da parte dela.

Em compensação, o Eduardo interpretado belamente por Gabriel Leone (presente em PIEDADE, de Cláudio Assis) parece mais um personagem saído da mente de Souza. Um pouco inseguro, o que o impulsiona a adentrar as “festas estranhas com gente esquisita” é a paixão imensa que ele passa a nutrir pela jovem mulher que ele conhece em uma dessas festas na Brasília dos anos 1980. Ele quer vê-la novamente; e ela topa. 

O que faz com que ela acabe aceitando o namoro é justamente um momento em que Eduardo paga mico cantando “Total Eclipse of the Heart”, de Bonnie Tyler, numa das festas-rock da turma da Mônica. A ajuda da plateia, cantando também a plenos pulmões, torna aquele momento arrepiante. E o “And I need you now tonight” ganha contornos lindos. Aliás, é curioso ver a mesma canção que abrilhanta o filme DESERTO PARTICULAR, de Aly Muritiba, presente em outra produção brasileira, em tão curto período.

EDUARDO E MÔNICA tem surpreendido a muitos pela sensibilidade com que trata tanto a relação entre os protagonistas, quanto as questões políticas e sociais. Por mais que a história se passe no período de redemocratização, vemos uma obra que reflete bastante as pautas atuais. Gosto de como o enredo enriquece as vidas de Mônica (as cenas com a mãe são emocionantes e delicadas) e de Eduardo (com sua relação de carinho com o avô, um militar reformado, e com o melhor amigo Inácio).

Senti falta de me apaixonar por Mônica, junto com Eduardo, devo dizer, mas não quer dizer que não tenha percebido a beleza do filme com um pouco de distanciamento. Aliás, uma das cenas mais bonitas mostra que é necessário um distanciamento para que se tenha a visão correta das coisas, que é a cena da apresentação artística de Mônica. Ou seja, além de tudo, estamos diante de uma obra que exalta imensamente a arte. A canção-título e as várias canções muitas vezes pouco óbvias da trilha sonora, o cinema mencionado por Mônica (a nouvelle vague, Wim Wenders), as novelas queridas por Eduardo (destaque para um pôster da Malu Mader na parede de seu quarto), a poesia de Manuel Bandeira, as artes plásticas e as instalações. 

Tanto que as duas declarações de amor mais marcantes são feitas através da arte. Em EDUARDO E MÔNICA, a arte e o amor andam juntos, de mãos dadas, como num soneto de Shakespeare. Renato Russo ficaria feliz.

+ DOIS FILMES

TURMA DA MÔNICA - LIÇÕES

Emocionante esta sequência do sucesso TURMA DA MÔNICA - LAÇOS (2019), que aproveita o ótimo elenco de crianças e a equipe técnica original, como o diretor Daniel Rezende e o fotógrafo (Azul Serra), que dão uma cor toda especial no visual lindamente colorido. Mas acho que o que me encantou mais em TURMA DA MÔNICA – LIÇÕES (2021) foi a questão da amizade dentro da perspectiva do amadurecimento dos personagens. A turma da Mônica aqui, sendo apresentados de carne e osso, crescem a olhos vistos e por isso o brincar, o ser criança, tem prazo de validade; algo muito diferente dos quadrinhos. Toda a turma, principalmente a Mônica, é questionada a enfrentar os desafios que se apresentam com a aproximação da adolescência. Além de tudo, a separação que eles enfrentam, após uma imposição dos adultos, é tocante. É tão bonito o modo como termina que é difícil não chorar ao final. No mais, há uma surpresinha após os créditos finais.

RIO DOCE

Diretor assistente de cineastas como Kleber Mendonça Filho, Cláudio Assis e Tavinho Teixeira, o recifense Fellipe Fernandes estreia em longa-metragem com um filme bem sensível e bonito. Nas trama, homem de 28 anos (o rapper Okado do Canal), pobre e passando por uma situação financeira bem complicada, descobre que seu pai biológico morreu e que seu futuro pode mudar para melhor. Gosto muito de como o filme apresenta o personagem pobre como alguém que possui problemas existenciais tão complexos quanto os personagens ricos de filmes de Walter Hugo Khouri ou de Michelangelo Antonioni. RIO DOCE (2021) também me tocou por motivos particulares, por uma forte identificação com um familiar, e isso acabou me aproximando mais da obra. Sem falar que é mais uma experiência maravilhosa de descoberta do nosso Brasil enorme. O filme só tem uma hora e meia, mas poderia ter mais uma hora que eu assistiria com prazer.

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