domingo, julho 25, 2021

O VENTO DA NOITE (Le Vent de La Nuit)



Ando bem travado para o processo de escrita. Mas vamos ver se consigo escrever algo sobre mais um filme de um diretor que cada vez mais me interessa, Philippe Garrel. Assim como Brian De Palma, para citar um diretor que tenho estudado recentemente, ele é um autor que coloca muito de suas obsessões, de seus traumas pessoais e de suas angústias em seus filmes. Por isso que muitas vezes seus produtos resultam em obras pouco palatáveis, mesmo quando ele se utiliza de um registro menos experimental. Aliás, eu nem conheço ainda os seus trabalhos experimentais; só li um pouco a respeito. Então, o processo de descoberta de sua obra tem sido pelo caminho inverso, que não deve ser o melhor caminho, mas tudo bem.

Então cheguei a este O VENTO DA NOITE (1999), um dos poucos filmes em cores de Garrel. Há quem diga que ele funciona melhor em filmes em preto e branco, mas nunca entendi esse tipo de raciocínio. Deve ser pura coincidência. O que me deixou impressionado neste filme, que vejo como o menos interessante dentre os oito vistos até agora, foi o quanto a temática do suicídio se mostra novamente com força.

Já tinha visto o diretor abordar o assunto em A FRONTEIRA DA ALVORADA (2008) e em UM VERÃO ESCALDANTE (2011), mas acredito que O VENTO DA NOITE é ainda mais triste em comparação com os outros dois. O que talvez tenha me deixado incomodado foi a falta de uma melhor construção dos personagens. Vejo Hélène, a personagem de Catherine Deneuve, como apenas uma mulher carente; Serge, o personagem de Daniel Duval, como um homem amargo por motivos quase misteriosos; e o jovem Paul (Xavier Beauvois) como um rapaz um tanto vazio.

Mas é possível entender as motivações que levaram Garrel a apresentar seus personagens dessa maneira. No começo, Paul é um jovem que tem um caso com Hélène, uma mulher casada e mais velha do que ele. O fato de ela se sentir mais velha, de ainda estar bonita, mas talvez prestes a encarar as rugas e a decadência física bem ali, dobrando a esquina, faz com que ela se sinta insegura. Ela sobe a escada e vê uma jovem e já pensa que Paul se apaixonaria mais fácil por essa moça do que por ela. Na rua, ela pede um beijo a Paul e ele rejeita. A relação dos dois está fadada às quatro paredes. Paul diz que vai estar ausente por uns tempos, viajar a trabalho.

E assim Hélène se transforma quase em um fantasma, já que, a partir de então, seguiremos os personagens de Paul e do amargurado Serge, um homem que viveu intensamente o Maio de 68 em Paris. Paul sente curiosidade em saber mais sobre esse momento da vida de Serge, mas ele é um sujeito que fala muito pouco. Sabemos que Serge manifesta um desejo de se suicidar, até já tem uma carta pronta para uma pessoa de sua família como despedida, mas que demonstra uma verdadeira devoção e respeito pelas mulheres. Então, ele segue nesses caminhos por alguns países da Europa em seu Porsche, junto a Paul, sem sentir nenhuma vontade de viver. Já Paul, por sua vez, tem um vício por heroína, mas acredita que tem controle com a droga.

Além do suicídio, há outro elemento da vida de Garrel que se manifesta, especialmente em Serge, o eletrochoque. Garrel já foi vítima desse tipo de absurdo e certamente foi algo para nunca esquecer. Quanto à heroína, trata-se de uma maneira de Garrel deixar clara sua repulsa pela droga, que assombrou a vida de uma de suas namoradas/mulheres, a cantora, modelo e atriz Nico, que foi viciada em heroína por 15 anos. Garrel, que fez uma dezena de filmes com ela, pôde acompanhar a decadência física e espiritual de Nico ao longo desse período até sua morte, em 1988. O filme JÁ NÃO OUÇO A GUITARRA (1991) foi dedicado a ela. Ainda não vi, mas está nos meus planos para breve.

E o suicídio, tão presente em sua obra, certamente pode ter relação com o suicídio do cineasta e amigo Jean Eustache (mais conhecido pelo cultuado A MÃE E A PUTA); ou da morte misteriosa de Jean Seberg, atriz que também sofria muitos traumas, que se envolveu politicamente (ajudou financeiramente os Panteras Negras) e acabou sendo encontrada morta cerca de um mês após o desaparecimento. Com Garrel, o trabalho mais marcante de Seberg foi LES HAUTES SOLITUDES (1974), sem som, sem fala, sem créditos de abertura ou encerramento.  

Pelo visto, ainda terei experiências bem interessantes com o cinema de Garrel pela frente. 

Agradecimentos à Paula pela companhia durante a sessão.

+ DOIS FILMES

SIBYL

E os filmes da incrível seleção de Cannes 2019 continuam chegando aos cinemas. Agora foi a vez SIBYL (2019), terceiro longa-metragem da realizadora Justine Triet, repetindo parceria com a excelente atriz Virginie Efira. Fiquei fã dessa atriz depois de UM AMOR IMPOSSÍVEL. Inclusive, em SIBYL, a atriz contracena também com Niels Schneider, que representa uma paixão do passado que ainda não foi superada, mesmo ela já estando casada e cuidando de dois filhos. A atriz interpreta uma psicanalista que resolve se dedicar à escrita de um romance e dá prioridade a uma paciente que lhe chama a atenção, uma jovem que engravidou de um ator e não sabe que atitude tomar. A jovem é vivida por Adèle Exarchopoulos, que novamente faz uma personagem com um olhar de carência. O filme exibe com delicadeza tanto o sentimento de obsessão e falta de ética por parte da protagonista, como também suas feridas. Vez ou outra, somos levados a flashbacks do momento que ela passou com o homem por quem ainda é, provavelmente, apaixonada. São cenas com certa generosidade na carga sensual. Há também momentos de metalinguagem, como as cenas das filmagens na Itália.

UMA ESTRANHA HISTÓRIA DE AMOR

Eis um filme bem estranho. Parece mais uma fábula, algo de fantasia sombria do que um filme de horror. E para que essa impressão prevaleça, as cenas de Selma Egrei com Ney Latorraca no lugar secreto dele, com direito a um cavalo branco e uma cena em que ela veste um vestido branco, emoldurada pela música de Rogério Duprat, e mais cenas envolvendo crianças, tudo isso acaba contribuindo para que essa sensação de universo fantasioso se sobreponha ao realismo. Em NINFAS DIABÓLICAS (1978), Doo já havia feito algo parecido, mas, por incrível que pareça, um pouco mais realista, mesmo com os elementos fantásticos explícitos. Neste UMA ESTRANHA HISTÓRIA DE AMOR (1979), o que mais me incomoda é a presença do personagem de David José, um homem, desde o início irritante, agressivo, inclusive com sua amante, vivida por Lady Francisco - a cena em que ele a rapta e a violenta é bastante incômoda. Já a fuga de Maria, a professorinha personagem de Selma Egrei, ganha um bom clima de suspense, mas sem nunca perder o ar de fábula, como se ela, a verdadeira protagonista (e não o Latorraca), estivesse fugindo de um castelo de uma bruxa má. Pontos negativos são as cenas com os amigos de Diogo, o personagem sádico de David José, mas não chega a comprometer tanto. Também achei que o final poderia ser melhor elaborado, mas com tantas qualidades que o filme tem (gosto muito da montagem que lida com três pequenos núcleos pelo menos em duas ocasiões), o filme de Doo é mais para ser louvado mesmo.

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