terça-feira, fevereiro 16, 2021

NINFAS DIABÓLICAS



Assisti a alguns exemplares do cinema de horror brasileiro e um dos títulos que mais me chamou a atenção foi NINFAS DIABÓLICAS (1978), estreia de John Doo na direção. Ele já havia trabalhado antes como ator e era um rosto conhecido dos filmes da Boca do Lixo. Certamente seu papel mais famoso é o do segmento "O Pasteleiro", obra-prima com direção creditada a David Cardoso e presente no longa coletivo AQUI, TARADOS! (1981). E de fato quem vê "O Pasteleiro" nunca se esquece.

Em NINFAS DIABÓLICAS ele não comparece à frente das câmeras, mas seu primeiro filme na direção é coerente com outros que ele realizaria e que trazem o tema das mulheres monstruosas e vingativas, que também surgiriam em NINFAS INSACIÁVEIS (1981) e EXCITAÇÃO DIABÓLICA (1982) - curioso como esses títulos são derivativos do primeiro filme. Não cheguei a ver esses dois, mas sei desse elemento em comum graças a um estudo feito pela especialista em horror brasileiro Laura Cánepa.

Infelizmente a cópia disponível na internet de NINFAS DIABÓLICAS é tão ruim que é fácil ser rejeitada por muitos espectadores. No entanto, é curioso como, mesmo com as imagens distorcidas captadas de uma fita em VHS antiga com legendas em espanhol, o filme consegue nos manter interessados e até mesmo fascinados com o desenrolar da trama e o modo como lida com os desejos do executivo Rodrigo, vivido por Sergio Hingst, frente às duas garotas vestidas de colegiais que pedem carona a ele no momento que ele está indo ao trabalho.

As supostas colegiais são interpretadas por Aldine Müller e Patrícia Scalvi, duas das atrizes mais importantes do cinema paulista. A personagem de Aldine, Úrsula, é a que fica sentada no banco da frente e que incita o homem a experimentar uma aventura, enquanto aproxima suas pernas das dele. Não demora muito para que ela logo fique dirigindo o carro em seu colo, tornando a aventura do protagonista ainda mais perigosa. Elas dizem que sabem de uma casa abandonada na praia e para lá eles se dirigem. Na praia deserta, à medida que Rodrigo se aproxima de Úrsula para concretizar o sexo, mesmo com todas as dificuldades de alcançá-la (ele é um homem fora de forma), o filme vai ganhando um ar sobrenatural e de mistério, que segue numa linha crescente, até chegar a uma cena envolvendo uma pedra.

Podemos encarar NINFAS DIABÓLICAS como um filme da linha "pecado e castigo", em que homens casados são levados a situações "proibidas" e se vêem em situações de desespero. Como um bom exemplo recente, vindo do cinema americano, tivemos BATA ANTES DE ENTRAR, de Eli Roth, estrelado por Keanu Reeves. Esse tipo de filme pode ser algo inconscientemente derivado de um cinema de culpa hitchcockiano, mas se distingue bastante pelo apelo erótico, que tanto excita quanto perturba.

O filme, além da direção segura de Doo, ainda conta com direção de fotografia de Ozualdo R. Candeias e roteiro coescrito em conjunto com Ody Fraga. Soube de amigos que tiveram a chance de ver NINFAS DIABÓLICAS em uma cópia restaurada em película em uma exibição no CCBB-SP em 2010. Ou seja, existe essa cópia muito boa disponível. Porém, com o estado que está a Cinemateca Brasileira, com este atual governo a interditando, a nossa memória cultural está sofrendo um perigo terrível.

+ TRÊS FILMES

ATRAVÉS DA SOMBRA

A minha história com ATRAVÉS DA SOMBRA (2015), de Walter Lima Jr., é curiosa, já que via todo mundo falando mal, mas tinha muita curiosidade de ver. Não encontrava nos fóruns que visito, não via em DVD pra comprar e não chegou nos cinemas de minha cidade. E foi ganhando aquele rótulo de obra rejeitada pelos fãs do do diretor e pelos fãs do cinema de horror também, por não ser uma adaptação tão bem-sucedida da novela A Outra Volta do Parafuso, de Henry James. Agora que revi OS INOCENTES e vi a minissérie A MALDIÇÃO DA MANSÃO BLY, me sinto um pouco mais próximo da mitologia da história e dos personagens, e só por isso ver este filme já foi interessante. Sem falar que em alguns momentos a grandeza de Lima Jr. como diretor comparece. Mas é um filme que não consegue assustar nas cenas de fantasmas, embora ganhe pontos comigo nas sequências de maior estranheza (inclusive o final). Acredito que o último ato ajuda a elevar o filme, ainda que não o recupere.

TRILOGIA DE TERROR

Dos três segmentos de TRILOGIA DE TERROR (1968) só tinha visto o de José Mojica Marins, presente como um extra em um dos DVDs lançados pela Cinemagia. E foi muito bom rever o curta "Pesadelo Macabro", cheio de situações absurdas (o que é aquela cena da macumba com o chicote?) e com um andamento narrativo que lembra muito as histórias em quadrinhos de terror. Mojica tinha também um senso de decupagem invejável, embora muitos só vissem aquilo que julgavam de mau gosto. Quanto aos episódios dos outros celebrados diretores, é curioso como eles fogem do padrão de horror de linha mais tradicional, até por não ser a praia deles. "O Acordo", de Ozualdo R. Candeias, tem muito do cinema primitivo e de western feijoada, mas também recebe influências da contracultura em muitas cenas. Curioso como há um destaque para a brutalidade dos homens, praticamente todos abusadores. Já "Procissão dos Mortos", de Luiz Sérgio Person, foi o que menos gostei, embora seja corajoso ao colocar referências explícitas a Che Guevara em plena ditadura. Gosto muito de uma cena no bar.

A MULHER DO DESEJO (CASA DAS SOMBRAS)

Com certeza o título alternativo do filme ("Casa das Sombras") diz muito mais do que o que foi usado, mais comercial e chamativo. É interessante ver o quanto o cinema brasileiro experimentava nos mais diversos gêneros da década de 1970. Em A MULHER DO DESEJO (1975), de Carlos Hugo Christensen, temos um horror gótico estrelado por José Mayer e Vera Fajardo, em que eles são um casal que herda uma casa e a fortuna de um tio muito esquisito de Ouro Preto. O funeral é estranho, a casa é sinistra, as regras também são. Mas o pior estaria por vir na vida daquele casal. O uso de Wagner na trilha sonora dá um ar de angústia mas também de intensidade. Infelizmente a cópia existente não ajuda muito a valorizar a beleza das cores e do uso das sombras (um dos maiores méritos do filme), mas também não está entre as piores que eu vi.

Nenhum comentário: