sábado, abril 17, 2021
UM VERÃO ESCALDANTE (Un Été Brûlant)
Filme que antecede a chamada trilogia do ciúme de Philippe Garrel, UM VERÃO ESCALDANTE (2011) traz um tom muito mais trágico do que suas obras posteriores. Falo das obras posteriores pois me falta conhecimento dos trabalhos das décadas passadas desse que é considerado por muitos o maior cineasta francês vivo junto com Jean-Luc Godard. O tom trágico se antecipa no prólogo, ao vermos Frédéric, o personagem de Louis Garrel, batendo o carro deliberadamente rumo ao suicídio.
Antecipando-me, não sei se foi o efeito de O SAL DAS LÁGRIMAS (2020), ainda quente na memória afetiva, mas a impressão que tive de UM VERÃO ESCALDANTE foi de uma obra menor do diretor. E que não parecia ter a intenção de ser menor, dado seu forte interesse pelo viés trágico. De todo modo, é muito bom ver o quanto é caro para Garrel lidar com os temas do ciúme, da possessividade, da carência afetiva, enfim, de cada fraqueza que nos é própria dentro de um relacionamento.
O que vemos neste filme é certa crueldade do cineasta para com seus personagens. A cena do choro do protagonista e de sua esposa, vivida por Monica Bellucci, ao saberem que o relacionamento está chegando ao fim é um dos mais belos e mais cruéis momentos. E é cruel o fato de o filme não nos oferecer momentos para que nos solidarizemos com Frédéric. Não o vemos sendo gentil, amável ou carinhoso com a esposa; só o vemos como alguém possessivo, autoritário e um tanto arrogante. E o único momento em que Angèle, a personagem de Bellucci, abre um sorriso é justamente na cena em que dança com outro homem.
Angèle é uma atriz que, por amor ao marido, aceita se submeter à vontade dele e rejeitar certos papéis que lhe são oferecidos. Uma vez que ela se cansa, inclusive do ciúme doentio de Fredéric, a opção por sair de casa e ser novamente livre parece ser a mais acertada. Enquanto isso, Frédéric, pouco interessado em política como o amigo Paul (Jérôme Robart), afirma que as únicas coisas que lhe interessam são sua pintura e sua esposa.
A propósito de Paul, trata-se de um personagem que funciona mais como testemunha e narrador da tragédia do protagonista, quando ele e a namorada Élisabeth (Céline Sallette) passam uma temporada no espaçoso apartamento de Frédéric e Angèle em Roma. Falando nesse casal de coadjuvantes, um dos momentos mais bonitos do filme acontece quando Élisabeth, enciumada com a atenção que Paul tanto dá a Frédéric, resolve ir embora. Trata-se de um momento de fragilidade muito bonito e que Garrel lida com muito carinho. É algo que tenho notado no cinema do diretor, em especial esse da última década, que é o que conheço, esse não julgar, esse acolher seus personagens imperfeitos.
Pena que, da metade para o final, o filme vai ficando menos interessante, perdendo um pouco a sua força, por mais que eu goste bastante da cena perto do final, do reencontro de Frédéric com o casal de amigos. Ao ver o casal passeando com o bebê e símbolo de felicidade conjugal talvez ele tenha se dado conta de sua vida, suas escolhas e, dotado de um olhar enevoado, toma a trágica decisão. Um outro momento importante do filme é a cena que marca a despedida de Maurice Garrel da vida e do cinema. Ele aparece como o fantasma do avô de Frédéric. Como o cinema é uma arte habitada por fantasmas, a presença breve de Maurice é bastante simbólica desse espaço entre a vida e a morte que vive nos filmes.
Agradecimentos à Paula pela companhia durante a sessão.
+ TRÊS FILMES
ON THE ROCKS
O novo filme de Sofia Coppola é talvez o seu trabalho mais modesto, mas ainda gostei mais deste do que de O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS (2017), um de seus projetos mais ambiciosos. Talvez este novo filme seja mais pessoal, tenha mais a ver com situações da própria cineasta, que assina também o roteiro. Na trama de ON THE ROCKS (2020), Rashida Jones é uma escritora que está com pouco tempo para se concentrar em seus trabalhos, cuidando bastante dos filhos pequenos. E ela começa a suspeitar que o marido (Marlon Wayans) a está traindo. Ela fala de suas preocupações para o pai (Bill Murray), que tenta ajudá-la à sua maneira. Muito interessante ver essa diferença generacional entre pai e filha e também um interesse de Sofia de entender a geração (supostamente?) mais machista de seu pai. E Bill Murray está ótimo.
ESTADOS UNIDOS VS. BILLIE HOLIDAY (The United States vs. Billie Holiday)
Uma pena que Lee Daniels tenha estragado o que poderia ter sido uma cinebiografia bem decente. A força de ESTADOS UNIDOS VS. BILLIE HOLIDAY (2021) está toda em Andra Day, que está mesmo muito boa no papel de uma das mais queridas cantoras dos Estados Unidos. Querida, mas também extremamente judiada, conforme vemos no filme, que ao menos nos fornece informações sobre a estrela e também nos coloca um pouco naquele período (anos 40/50) em que a KKK parecia mandar nos órgãos públicos, principalmente os de segurança. Uma coisa que me incomodou muito no filme foi o modo como todo mundo parece/é muito pouco inteligente. Tanto Billie, por voltar para um sujeito violento e covarde (o filme nunca deixa claro o verdadeiro apego a esses caras), quanto a polícia, principalmente em uma das cenas finais - mas, certamente, nesse caso específico, isso é mais problema de roteiro e direção.
QUO VADIS, AIDA?
Mais um desses filmes que nos lembram da crueldade da guerra. E das pessoas que fazem a guerra. Em QUO VADIS, AIDA? (2020), de Jasmila Zbanic, temos a história de uma intérprete que trabalha para a ONU em uma missão de pacificação para que os refugiados da cidade de Srebrenica não sejam mortos pelo exército sérvio, que está tomando a cidade, em seu trajeto de conquistar o território e afastar as etnias indesejadas, da pior maneira possível. Sei pouco ou lembro pouco do que li sobre essa guerra, que era assunto frequente nos noticiários dos anos 1990, e por isso em muitos momentos fiquei confuso com a situação das pessoas. Mas é um filme que pode ser tranquilamente visto por quem não conhece detalhes sobre a guerra. Até porque o grande drama da história está na busca da protagonista para encontrar abrigo para o marido e seus dois filhos. Ótima interpretação de Jasna Djuricic, que faz a protagonista.
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