sexta-feira, novembro 06, 2020

MAR DE DENTRO



Muito feliz por ver a Monica Iozzi em um projeto de cinema tão digno e exercitando o seu talento dramático tão bem. Embora seja um filme sobre maternidade, eu diria que MAR DE DENTRO (2020) é até mais recomendado para os homens assistirem do que para as mulheres. Até para termos um pouco o gostinho das dificuldades de ser mãe, seja durante ou após o período de nove meses. Em apresentação do filme especialmente para a Mostra, a diretora Dainara Toffoli falou justamente que um amigo homem que viu o filme afirmou isso e eu senti a mesma sensação.

O filme ganha bastante no momento da solidão da personagem, da angústia de ter que dar conta sozinha de um recém-nascido, das dores nos seios, das noites de sono perdidas, da dificuldade de conciliar a maternidade com a profissão, após o fim da licença. E tudo isso é muito bem desenvolvido. Acho que a cena do consultório foi a que mais me comoveu, mas toda a narrativa está impregnada de sensibilidade feminina, seja de amor, seja de cansaço ou mesmo de irritabilidade.

Ter filmes como esse, que ajudam a trazer mais realismo para a maternidade, desmitificá-la um pouco, é muito importante. De certa forma, lembrei-me de TULLY, de Jason Reitman, que apesar de ser dirigido por um homem, tem um roteiro forte de uma mulher, Diablo Cody, e é o filme sobre maternidade - não só sobre isso, na verdade - que mais me impactou.

Em MAR DE DENTRO, temos uma diretora mulher que, inspirada na própria experiência, gestou ao longo de vários anos esta obra tão sensível. E é também um filme que dialoga com certas produções contemporâneas do circuito de arte. Ao ver, por exemplo, a personagem de Monica Iozzi cuidando do bebê, trocando a fralda, alimentando-o, lembrei da experiência que foi ver DIAS, de Tsai Ming-liang. Mas claro que aqui a proposta está longe de ser tão radical. No entanto, eu diria que temos sim um filme menos interessado em contar uma história do que em nos fazer mergulhar no turbilhão emocional vivido pela protagonista. A comparação com o mar não é gratuita. E nesse sentido eu diria que Toffoli foi muito bem-sucedida. Tanto é que o filme cresce muito quando a personagem precisa lidar com sua solidão (auto-imposta, de certa forma). 

Perto do final, quando Manuela, a personagem de Iozzi, dá carona a uma de suas babás, o filme alcança tal grau de excelência dentro da simplicidade que a cena imediatamente posterior, que encerra o filme, traz uma espécie de felicidade meio amarga que chega a aquecer nossos corações.

Espero uma carreira de sucesso no circuito comercial para MAR DE DENTRO, pois na Mostra ele acabou não tendo tanta repercussão. De todo modo, ainda dá tempo de pegá-lo na repescagem. 

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