quinta-feira, novembro 26, 2020
MARADONA BY KUSTURICA
Quem me conhece sabe que eu não sou muito fã de futebol. Talvez seja por ser perna de pau desde minhas primeiras tentativas com o esporte mais popular do mundo. Mas lembro, por outro lado, de ter uma fase de gostar muito de futebol de botão. E de gostar de fazer tabelas de classificação. Daí surgiu parte do meu interesse por Copas do Mundo. Além de outros aspectos também. E por isso, ainda que fosse muito pequeno ainda, tenho lembranças da Copa de 82 (do dia em que o Brasil perdeu para a Itália, eu e a minha irmã ouvindo pelas paredes o que rolava na TV vizinha, pois a daqui de casa estava no conserto) e tenho também lembranças carinhosas da Copa de 86, quando a seleção da Argentina conquistou a todos com sua graça, seu talento e o carisma principalmente de um sujeito chamado Maradona.
Maradona deixou este plano ontem e eu me peguei surpreso em ter ficado tão triste com a morte de um jogador de futebol. Nem com Ayrton Senna, que era tão popular, eu me comovi, pra se ter uma ideia. Mas Maradona tinha algo especial. E eu sabia disso mesmo sem ter acompanhado com tanta atenção os seus dramas envolvendo escândalos com dopings, uso de cocaína e decadência física gradual devido a um tipo de vida louca de alguém que mais parecia uma locomotiva desgovernada. Ou um touro indomável.
Aliás, o termo cabe demais na figura de Maradona, tanto pelo seu temperamento explosivo dentro e fora do campo, quanto por ele próprio admitir adorar Robert De Niro, em especial seu papel em TOURO INDOMÁVEL, de Martin Scorsese. Ele traz essa resposta quando o diretor Emir Kusturica lhe pergunta: se ele fosse um ator famoso, quem ele gostaria de ser. O curioso é que esse tipo de comparação com o filme do De Niro boxeador, eu já havia feito enquanto assistia ao documentário. Mas há algo de tão mais doce em Diego Maradona, tão mais humano, na concepção mais contraditória do termo que possa existir. Por mais que esse humano também ganhe a alcunha de deus e tenha conseguido ser glorificado até mesmo em uma igreja maradoniana, que faz uma espécie de sátira com os rituais da Igreja Católica.
Que bom que MARADONA BY KUSTURICA (2008) não é um documentário sobre futebol, ou sobre a trajetória de Maradona no futebol. Se bem que, se assim o fosse, eu acho que também ia gostar. Mas tenho muito mais interesse em pessoas, mais no homem do que no atleta. E aqui Kusturica consegue ganhar a confiança de Maradona tão bem que ele abre seu coração e fala do quanto lamenta que seus problemas com as drogas tenham comprometido sua relação com as filhas. Ele praticamente não as viu crescer, por estar tão envolvido em um universo do submundo espiritual. E isso é muito comovente. Quando ele fala de quando ele, bêbado e drogado, tentava se aproximar de uma das filhas e ela se afastava dele, pensei imediatamente em minha infância e em meu pai, alcoólatra, e que também deve ter sofrido com isso. Hoje eu já tenho um sentimento de maior compreensão desses momentos de queda dos seres humanos.
Só a cena, que na verdade é um clipe estendido, que mostra o próprio Maradona cantando "La mano de Dios" já é o suficiente para deixar MARADONA BY KUSTURICA naquela "prateleira" de documentários do coração. Enquanto a bela canção é cantada (e eu ficava olhando e me admirando com o fato de ser ele mesmo ali, em carne e osso, cantando!), cenas de alegria e de tristeza passam pela tela. Imagens com a família, mas também dos escândalos e situações deploráveis. Emir Kusturica foi muito feliz ao conseguir fazer esta montagem magnífica. E tanto a melodia quanto a letra da canção contam a história deste que é um dos personagens mais admiráveis do último século, como que criando uma nova mitologia.
Além de tudo, o filme ainda traz um monte de imagens fantásticas de arquivo. Ter um filmete do Maradona criança dizendo o que deseja para seu futuro é fantástico (e conseguindo as duas coisas: jogar em um mundial de futebol e ser campeão no mundial). Há ainda os encontros com líderes de esquerda, o carinho que sente por Fidel, Chávez e Morales; a banana que ele dá para os Estados Unidos e para um convite do Príncipe Charles - imagina só se ele ia perdoar a Guerra das Malvinas!
Só acho que Kusturica exagera na quantidade de vezes que toca "God save the Queen", dos Sex Pistols (por mais que seja tão simbólico o embate Argentina x Inglaterra em 1986) e talvez não fosse necessário incluir cenas de seus filmes. Mas, enfim, nada disso chega a comprometer o projeto. É tudo emocionante, na verdade. Passei a admirar e a gostar mais de Maradona depois deste filme. E no final, ver o protagonista ouvindo Manu Chao cantando e tocando "La Vida Tombola" na rua também não tem preço.
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