sábado, março 07, 2020

VIVAMOS HOJE (Today We Live)

Um cineasta muito querido por mim da Velha Guarda de Hollywood, que começou a filmar ainda na fase muda do cinema, é Howard Hawks. Seus filmes têm uma assinatura tão marcante que até aqueles que são apenas roteirizados por ele, como o delicioso PILOTO DE PROVAS (1938), de Victor Fleming, tem a cara do realizador. Aqui temos Hawks exercitando um de seus temas favoritos: o dos grupos em tempos de guerra, além do gosto pela aviação. Algo que é mostrado também (falando apenas dos filmes de aviação) em filmes como A PATRULHA DA MADRUGADA (1930), HERÓIS DO AR (1936), O PARAÍSO INFERNAL (1938) e ÁGUIAS AMERICANAS aka FORÇA DE HERÓIS (1943).

Em VIVAMOS HOJE (1933), temos o primeiro filme feito com roteiro do romancista William Faulkner. Depois ele ainda faria com Hawks outros trabalhos ainda mais marcantes, como UMA AVENTURA NA MARTINICA (1944) e À BEIRA DO ABISMO (1946). É engraçado Hawks contando a Peter Bogdanovich de seu primeiro encontro com Faulkner, de como desejou matá-lo nos primeiros minutos. Mas, depois que saiu para tomar umas com ele, ficaram amigos.

O roteiro original, baseado no conto "Turn About", do próprio Faulkner, não tinha uma protagonista feminina. O que foi um problema quando o estúdio quis que Hawks fizesse o filme com a estrela Joan Crawford, linda e jovem, ainda que de mau gosto com os figurinos. Joan chorou intensamente quando leu o roteiro e não se viu em lugar nenhum. Assim, Faulkner teve o trabalho de reescrever a história, de modo que colocasse Joan em papel de destaque. Claramente, o filme é muito mais uma história de amizade masculina, algo muito comum nos trabalhos de Hawks, do que uma história de amor. Tanto é que seu final brusco parece de propósito da parte do diretor, para mostrar que estava pouco interessado em contar essa história de amor.

De todo modo, a coisa do triângulo amoroso funciona para estabelecer tensões e rivalidades. E por mais que alguns digam que o filme não é tão hawksiano na primeira parte, com as cenas de Joan com Gary Cooper e os outros rapazes no interior da Inglaterra, gosto do modo dramático como se dá o encontro do casal principal, e de como a morte do pai da personagem é sentido por toda a família. Há, inclusive, algo bastante hawksiano já nesta parte, que é a tentativa de não chorar diante das circunstâncias, de parecer forte. Isso é muito comum nos filmes do realizador.

Mas o filme ganha tintas mais bonitas mesmo quando o cenário muda para a Londres cinza da época da Primeira Guerra. E depois quando vão para a França lutar contra os austro-húngaros. Assim, de um lado temos um americano que chega à Inglaterra, se apaixona por uma mulher e acaba por aderir à guerra (Cooper), entrando nas força aérea; e de outro, os dois rapazes amigos de infância da protagonista (um deles prometido a casamento a ela; o outro irmão dela), vividos por Robert Young e Franchot Tone, que trabalham na parte naval, jogando torpedo nas bases dos inimigos.

No filme, podemos ver os ataques tanto nos ares quanto nas águas. Como Hawks era fascinado por aviação, as cenas aéreas são um dos pontos altos do filme. O personagem de Cooper, um tanto perversamente, leva o rival para o avião onde costumam trabalhar, lançando bombas aéreas e atirando no céu contra os aviões inimigos. Mas o personagem de Young é tão bobão que não sente sequer medo. Leva sua barata de estimação (!) junto com ele, em uma caixa de fósforos, para aquele passeio divertido.

As coisas ficam mais dramáticas, e ganham uma conclusão um pouco precipitada, mas totalmente coerente com o jeito heroico com que os personagens do realizador, especialmente nos filmes de guerra, tentam contribuir para a melhor resolução de tudo, ainda que seja se sacrificando. Não é como se a vida não tivesse muito valor. Ela tinha. E muito. Daí o sacrifício ser tão duramente abraçado.

+ TRÊS FILMES

O VENCEDOR (Champion) 

O filme que eu escolhi para homenagear Kirk Douglas, morto por esses dias, aos 103 anos, foi este, o seu primeiro grande sucesso. O curioso do filme é o quanto temos um personagem pelo que torcemos contra, por seus atos pouco nobres ou por tratar as pessoas como lixo. Depois do que ele faz com a bela Emma (Ruth Roman), como perdoá-lo? Mas aos poucos vemos o protagonista entrar em uma espiral de descontrole que só poderia encaminhar para algo trágico. Para o bem do próprio personagem, de seus amigos e família e para o espectador também. Não sei o quanto o filme foi pioneiro em mostrar o boxe de maneira mais violenta do que o costume, mas é algo a se pesquisar. Direção: Mark Robson. Ano: 1949.

MOEDA FALSA (T-Men) 

Meu primeiro contato com um film noir do Anthony Mann, que é sua especialidade nos anos 1940. Um dos charmes do filme é a utilização de uma narração de cunho governamental para contar a história de homens do tesouro nacional que se infiltram em grupos de falsificadores de dinheiro. Há dois personagens principais, e a parte mais interessante é vê-los se aproximando dos mafiosos para conseguir o que desejam. Há algumas cenas memoráveis, mas nada tão bom quanto o que Mann faria nos westerns dos anos 50. Qual será o melhor filme dele desses anos 40? Ano: 1947.

DA AMBIÇÃO AO CRIME (Crime of Passion) 

Se não fosse o trabalho de curadoria que o pessoal da Versátil faz nas coleções Filme Noir e outros, eu não teria tido contato com este filme. Afinal, o diretor deste título é desconhecido para mim, não é desses autores consagrados. Por isso é importante que esses trabalhos sejam apresentados ao público. Uma das coisas que fez eu desgostar um pouco do filme foi o fato de não gostar da personagem principal, da Barbara Stanywick. Ela é dominadora, chantagista e capaz de coisas que o espectador duvida. Mas é justamente por isso que a terceira parte do filme ganha força e um grau de drama que faz jus à era dos filmes noir. Sterling Hayden faz o detetive de polícia sem muita ambição que casa com ela, uma jornalista que se aposenta para viver com ele. Porém, não sei se é um filme feminista, como diz a pequena sinopse do box. Direção: Gerd Oswald. Ano: 1956.

Nenhum comentário: