quinta-feira, março 05, 2020

WE CAN’T GO HOME AGAIN

Que saudade de quando eu tinha mais tempo e energia e fazia as peregrinações pelas obras de alguns cineastas. Com a companhia de alguns livros, geralmente de entrevistas, já passei pelas obras de Hitchcock, Cukor, Hawks, Ford, Almodóvar e por um grande cineasta da velha guarda de Hollywood que tem um histórico de vida também interessante, Nicholas Ray. Acompanhei os vários trabalhos do diretor junto com a leitura do livro The Films of Nicholas Ray, de Geoff Andrew, que apresenta ensaios do autor sobre cada um dos títulos do cineasta.

Vi quase todos os longas-metragens de Ray, seja alugando, seja baixando da internet. Só ficava faltando WE CAN’T GO HOME AGAIN (1973), este trabalho experimental e considerado incompleto, já que o diretor apresentou-o pela primeira vez no Festival de Cannes em uma versão considerada não definitiva. Ray ficou trabalhando na versão final até morrer, em 1979, mas sem chegar ao fim. Aliás, quem tiver a curiosidade mórbida de ver os últimos dias do cineasta precisa ver o excelente UM FILME PARA NICK (1980), feito a quatro mãos com Wim Wenders.

Acho difícil falar de WE CAN’T GO HOME AGAIN, já que eu não embarquei no filme. Vi parcelado em três vezes, por não ser assim tão fácil de acompanhar. No início, ,pelas inúmeras janelas no mesmo quadro apresentando diferentes ações; depois, pelo fato de essas ações não terem nenhuma unidade narrativa - pelo menos, não do ponto de vista mais convencional.

O filme é um trabalho diferente de tudo que ele fizera até então. Foi como se Ray precisasse se juntar aos jovens para que tivesse uma espécie de recomeço. Um recomeço radical, já que o filme foi feito em conjunto com um grupo de estudantes de cinema. Assim, há filmagens e refilmagens de dramatizações específicas e um tanto confusas, mas há também conversas de Ray com seus alunos. Ele agia como uma espécie de pai e mentor, embora alguns alunos questionassem o que ele dizia. Uma garota chegou a dizer: “Você acha que você sempre tem razão, só por que é velho e fez muitos filmes?”. Ele disse que não saberia responder essa pergunta.

Aí entra algo que talvez tenha me tocado mais no filme, que é a velhice, a decadência física do diretor. Há uma cena em que alguém pergunta a ele por que usar um tapa-olho e ele diz que talvez por vaidade. Uma vaidade que, pelas vestimentas e pelos cabelos desgrenhados, já estava claramente diminuindo naquela etapa da vida do realizador. No filme, ele morre duas vezes: a primeira, atropelado vestido de Papai Noel; a segunda, enforcado, suicidando-se, para dar uma espécie de última lição a seus pupilos. Achei ambas as soluções ruins, mas certamente há razões de ser.

+ TRÊS FILMES

INAUDITO

Uma coisa que mesmo nós, que vemos muito filmes e estamos preparados para experiências diferentes, é saber aceitar o filme pelo que ele é e não pelo que você esperava que fosse. Caí nessa armadilha com INAUDITO, talvez pela sinopse, que chama a atenção da importância do guitarrista Lanny Gordin na história de músicos como Caetano Veloso, Gal Costa, Jards Macalé, Gilberto Gil etc na virada dos anos 60 para os 70. O que o filme nos apresenta, porém, é o Gordin hoje, fazendo um tipo de música diferente e lidando com a questão da loucura, como o fato de ouvir vozes, de ter sido internado em um hospital psiquiátrico etc. O diretor acaba criando uma obra experimental, com tomadas estranhas, uma trilha sonora diferente e as palavras nem sempre compreensíveis de Gordin, que disserta sobre a natureza da música, sobre seu encontro com um E.T., sobre evolução espiritual etc. É um filme desafiador. Direção: Gregorio Gananian. Ano: 2017.

O FILME DO BRUNO ALEIXO

Se já é raro surgirem por aqui comédias portuguesas, ter um filme como este é uma oportunidade e tanto. Bruno Aleixo é um famoso personagem e apresentador de talk show de Portugal. O filme faz piada com várias celebridades portuguesas, o que pode perder um pouco da graça para nós que não os conhecemos, mas isso não prejudica a fruição e o prazer que dá essa brincadeira de tentar pensar argumentos de filmes. Não exatamente se trata de uma animação, embora haja animação também. Melhores momentos: a primeira ideia de Bruno para um filme (o Papa justiceiro); o filme de jovens cumprimentando as meninas; e o chocolate. Aliás, o ator que faz um dos personagens/atores me lembrou muito o Bolaños. Direção: João Moreira e Pedro Santo. Ano: 2019.

A CIDADE DOS PIRATAS

A presença de Laerte é tão interessante que eu acho uma pena esta animação experimental, por assim dizer, não se deter mais em sua história. Tudo bem que há um documentário sobre ele (e eu vou atrás para saber mais detalhes), mas o diretor Otto Guerra se mostra bem interessado. Pena que algumas das histórias que se mostram no filme não são tão empolgantes, como as aparições dos piratas do título. Por outro lado, o drama do câncer do cineasta é interessante, mas poderia ser mais explorado. Dos demais personagens, gosto do sujeito casado que se traveste escondido da esposa e a do político homofóbico que tem sonhos gays. Ano: 2018.

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