Os filmes anteriores de Olivier Assayas, ACIMA DAS NUVENS (2014) e PERSONAL SHOPPER (2016), são bastante ambiciosos na forma. Por isso a impressão de que VIDAS DUPLAS (2018) é um trabalho menor e menos desafiador, semelhante talvez a HORAS DE VERÃO (2008), que também é um filme sobre pessoas conversando sobre comportamento, mudanças no cenário político e social e sobre relacionamentos. É como se o cineasta estivesse descansando um pouco enquanto prepara outra obra-prima.
Mas engana-se quem subestima VIDAS DUPLAS (2018), que encanta não apenas por trazer um elenco muito talentoso, mas por colocar nas bocas de seus personagens falas tão inteligentes e sensíveis que fazem com que eles se materializem em criaturas reais. O que dizer, por exemplo, de Vincent Macaigne, que brilha como o romancista Léonard Spiegel, um homem inseguro que coloca todos os seus dramas e relacionamentos em suas obras literárias? Os momentos em que ele se mostra especialmente deprimido, ao lado do editor vivido por Guillaume Canet, da amante vivida por Juliette Binoche ou da esposa interpretada por Nora Hamzavi, são pontos altos de um filme cheio de pontos altos.
No caso das cenas envolvendo Macaigne, uma espécie de coração do filme, elas se tornam grandes por serem mais relacionadas a discussões da vida real, de problemas ligados a relacionamentos. Os outros personagens se tornam menos sensíveis por discutirem mais assuntos do mundo contemporâneo, como o fim ou não do livro de papel, a diminuição do número de leitores de livros, a popularização dos audio-books etc. E o filme faz isso dando nomes aos bois: Facebook, YouTube, Kindle, Twitter.
Todo esse filosofar sobre o mercado editorial também vem junto com discussões acerca da natureza autobiográfica da arte e de sua imunidade a essas mudanças. Assayas, que havia trazido à tona um debate bem interessante sobre os blockbusters em ACIMA DAS NUVENS, mostra-se agora tão entusiasmado com a discussão sobre a revolução trazida pela internet que chega a contagiar. E no debate, há espaço tanto para Adorno quanto para Taylor Swift, para A FITA BRANCA e STAR WARS - O DESPERTAR DA FORÇA.
Falando nesses dois filmes, um dos momentos mais engraçados de VIDAS DUPLAS envolve sexo oral durante a sessão de um dos filmes e o modo como isso é contado em um romance. Sim, há o cuidado para não cansar o espectador com tanta discussão sobre internet e mercado editorial, já que a ciranda de amores dos personagens se tornam tão ou mais importantes do que o debate. Quase todos no filme têm um(a) amante e isso é outra coisa que diverte: nos fazer cúmplices de seus personagens. Ao final, a sensação de bem-estar faz com que gostemos tanto do filme, de seus personagens tão vivos, de suas discussões tão empolgantes, que o sentimento de gratidão pelo diretor e por todo o elenco se torna inevitável.
+ TRÊS FILMES
APRENDIZ DE ALFAIATE (Petit Tailleur)
Média-metragem cheio de paixão e de sentimentos de estar à deriva de seus personagens. Que baita diretor que o jovem Louis Garrel se tornou, seguindo os passos do pai e da Nouvelle Vague. Aqui temos um aprendiz de alfaiate que quer deixar a carreira quando conhece uma jovem atriz que também tem uma relação de amor e ódio com a profissão. Os dois se apaixonam, mas o destino parece não contribuir para a união dos dois, por mais que haja paixão. Aliás, como não ficar apaixonado por Léa Seydoux, pelo amor de Deus? Nunca ela esteve tão bela quanto aqui. Ano: 2010.
MEU ANJO (Gueule d'Ange)
Primeiro longa-metragem de Vanessa Filho e que já ganha um espaço no Festival de Cannes. Marion Cotillard faz mais uma personagem um tanto desestruturada emocionalmente. Não é uma personagem tão boa quanto a de UM INSTANTE DE AMOR, mas é bem interessante, inclusive por nos fazer julgar a personagem por seus atos irresponsáveis. Mas é a garotinha Ayline quem conquista a plateia. O grito dela de "não me deixe sozinha" é tocante. Ano: 2018.
DE CARONA PARA O AMOR (Tout le Monde Debout)
Uma comédia bem divertida sobre homem que finge ser cadeirante para se dar bem em uma situação e acaba não sabendo desfazer a mentira. Ri a valer, por mais que reconheça que muitos acharão bobo ou coisa parecida. Estou começando a tomar gosto pelas comédias mais comerciais francesas. Direção: Franck Dubosc. Ano: 2018.
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