domingo, março 12, 2017

PERSONAL SHOPPER























O que eu havia ouvido falar, meio sem querer saber muito a respeito de PERSONAL SHOPPER (2016) antes de efetivamente vê-lo, era de que se tratava de uma experiência de Olivier Assayas com o gênero horror ou suspense, mas que nem sempre ele era bem sucedido. Se não ser bem-sucedido for o que eu vi há algumas horas eu não sei mais o que é. Claro que expectativas podem mexer e atrapalhar muito o quanto uma pessoa vai gostar de determinado filme e aqui eu certamente fui beneficiado por isso. Até porque se você disser que PERSONAL SHOPPER é um filme de horror, alguém até pode se decepcionar, esperando um filme de sustos.

Por isso é melhor seguir aquela sinopse de que se trata de um filme de uma moça americana que trabalha como personal shopper, ou seja, ela compra roupas e outras coisas para uma mulher rica e famosa de Paris. Essa moça tem a habilidade de se comunicar com os mortos e deseja entrar em contato com o falecido irmão gêmeo. Talvez saber isso seja o suficiente. Se é que é necessário saber alguma coisa antes de ver o filme. Quando passou em Cannes, ele foi selecionado por ter o nome de um autor consagrado na direção. E era a segunda parceria de Kristen Stewart com Assayas depois do premiado ACIMA DAS NUVENS (2014), o que também chamava a atenção.

O que não se esperava era que Assayas, de certa forma, reinventasse o filme de fantasmas. O que vemos em PERSONAL SHOPPER é fantástico. É uma maravilha para um fã do gênero que não seja tão apegado aos clichês e esteja aberto a diferentes e criativas narrativas. Podemos dizer que o filme consegue ser realista, mesmo mostrando imagens de fantasmas – um deles vomitando ectoplasma, inclusive. Aliás, se não fosse este momento a dúvida quanto ao mundo dos espíritos poderia ficar rondando o espectador, algo que não acontece, inclusive na cena em que Maureen, personagem de Kristen, está teclando no celular com um desconhecido que talvez seja o espírito do irmão que está lhe pregando uma peça ou um espírito hostil.

PERSONAL SHOPPER traz arrepios como filme de horror sim, mas também arrepia quando nos faz pensar sobre a natureza do luto, em especial o luto de Maureen, já que ela é uma pessoa incompleta. Perdeu um irmão gêmeo muito próximo e vive como uma fantasma, de certa forma. Ela tem a habilidade de abrir portais para o mundo dos mortos, por mais difícil que isso seja. O filme também fascina ao mostrar uma longa conversa pelo celular da protagonista com essa pessoa desconhecida e perturbadora, que arranca dela coisas como querer ser outra pessoa ou gostar de coisas que lhe são proibidas. No meio disso tudo, vemos Maureen/Kristen o tempo inteiro na tela, esperando (pelo irmão) e comprando e experimentando roupas (coisa que não deve fazer) para sua empregadora.

Assayas não deixa de ser o mais globalizado dos cineastas contemporâneos com PERSONAL SHOPPER. Ao contrário: ele agora consegue não apenas borrar as fronteiras entre países, mas também entre séculos e até mesmo entre dimensões, o que é fantástico e fascinante. Seus demais filmes de certa forma falavam sobre os mortos ou sobre o passado, como HORAS DE VERÃO (2008), em que uma família debate sobre a vida após a morte da matriarca, ou ESPIONAGEM NA REDE (2002), em que podemos ver uma espécie de morte de alguém e que já flertava fortemente com o gênero horror, já a partir do título original ("Demonlover"). Mesmo IRMA VEP (1996) é um filme que remete a fantasmas do cinema mudo. Por isso, o que quer que tenha levado Assayas a se interessar em fazer um filme de fantasmas propriamente dito talvez já fosse inevitável.

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