quarta-feira, julho 06, 2016
O VENTO NOS LEVARÁ (Bad Ma Ra Khahad Bord)
Na década de 1990, houve uma febre de filmes iranianos circulando pelo circuito alternativo. Mesmo aqueles que moravam em cidades que não ofereciam muitas chances de você ver um desses filmes na telona, havia sempre a possibilidade de conferir depois em VHS. Foi com esse hype que vi o meu primeiro Kiarostami, em home video: o celebrado ATRAVÉS DAS OLIVEIRAS (1994). Confesso que o filme não me pegou de jeito como gostaria, mas estava entrando em contato com algo muito novo, de uma sofisticação visual que contrastava com a escassez de recursos daquele povo e daquela nação apresentada.
O meu amor por Abbas Kiarostami veio quando pude ver no cinema seu filme seguinte, GOSTO DE CEREJA (1997), ganhador da Palma de Ouro em Cannes. Os outros filmes acabaram não chegando nos cinemas da cidade, exceto o documentário ABC ÁFRICA (2001) e o belíssimo CÓPIA FIEL (2010), um de seus filmes de autoexílio, já que estava cada vez mais difícil fazer cinema no Irã com liberdade de expressão. Alguns de seus outros filmes pude ver em casa, mas sabendo que a experiência de ver no cinema é que é transcendental, mais facilitadora de captar a poesia de suas imagens e de seus diálogos.
Pois bem. Nesta segunda-feira, dia 4, foi noticiado que Abbas Kiarostami faleceu. Em minha TL do Facebook, que é mais formada por cinéfilos, muitos ficaram tristes e lamentando a perda deste grande artista que provou que está acima do hype. A moda dos filmes iranianos nos cinemas passou, de certa forma (assim como também passou a dos filmes chineses e a dos filmes de terror japoneses), mas Kiarostami continuou, e se firmou como um dos maiores autores do cinema contemporâneo.
Minha homenagem ao cineasta foi ver uma de suas obras mais louvadas, O VENTO NOS LEVARÁ (1999). E é muito curioso tratar de um filme de Kiarostami que mais uma vez esbanja vida, mas que também fala de morte. Assim como em GOSTO DE CEREJA, a morte é algo perseguido, mas a vida é algo muito mais forte e muito mais insistente. Neste filme há uma situação parecida, e também acentuada por uma atmosfera de mistério.
No caso, o mistério está inicialmente nas motivações do protagonista, um homem da cidade (Teerã) que aparece em um vilarejo escondido, junto com uma equipe de filmagem, a fim de fazer alguma coisa que ele demora a dizer o que é. Aliás, ele nunca diz. Kiarostami nos deixa saber o que é através das ligações ao celular que ele só consegue fazer quando chega ao ponto mais alto do vilarejo, e também das conversas que ele tem com um garotinho extremamente acolhedor e simpático.
Mas o mistério aparecerá também em algo de natureza mais metafísica, já perto do terço final da narrativa. Até lá, o filme é até um pouco repetitivo e o que o espectador faz é mais ou menos o mesmo que o protagonista faz: esperar, embora durante essa espera dê para parar e apreciar a bela paisagem e aquela luz linda que parece ser ditada pelo próprio deus Kiarostami.
O mistério aparece lindamente em uma cena em que o herói pegará leite em uma casa e conversa com uma moça que nunca mostra o rosto. Recita um belo poema e a deixa um pouco sem jeito. É uma cena muito bonita, a luz é pouca, em uma brecha, mas o mistério está exatamente naquilo que não podemos ver ou que vemos de maneira velada. Da mesma forma, o tempo naquele vilarejo transformará a percepção da vida daquele homem que a princípio se vê como egoísta e até mesmo malvado, como dá para perceber em certa conversa entre ele e o garoto.
O VENTO NOS LEVARÁ é também um filme cheio de belos simbolismos colocados de maneira muito simples, como a presença constante do carro, a disposição do cemitério de pequenas rochas e com uma árvore frondosa, o homem que cava um buraco, o fêmur de um cadáver, a tartaruga incomodada em seu caminho, a lição de um médico, a espera pela morte e a ânsia pela vida, tudo isso faz desta obra mais um exemplar de pura beleza do grande e já saudoso Abbas Kiarostami.
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