segunda-feira, abril 06, 2015

FRANCISCA



Não devia ser fácil viver em meados do século XIX, quando as tintas lúgubres do Romantismo perturbavam os espíritos de homens e mulheres. Vendo FRANCISCA (1981), de Manoel de Oliveira, fica-se com a impressão de que esse tenha sido um período ainda mais difícil para as mulheres, que só serviam para os homens de espírito romântico se colocadas num pedestal ou se exemplos de amor impossível ou platônicos. Esse é um dos dramas de Fanny/Francisca (Teresa Menezes), personagem-título desta obra-prima de Manoel de Oliveira, grande homem e cineasta que nos deixou aos 106 anos de idade, no último dia 2 de abril.

FRANCISCA (1981) não foi a única adaptação de uma obra de Agustina Bessa-Luís feita por Manoel de Oliveira. Foi apenas a primeira. Seguiram-se em seguida: VALE ABRAÃO (1993), INQUIETUDE (1998), O PRINCÍPIO DA INCERTEZA (2002) e ESPELHO MÁGICO (2005). FRANCISCA é adaptação do romance Fanny Owen, de 1979, que trata de um caso envolvendo José Augusto, um amigo do escritor Camilo Castelo Branco, e seu objeto de seu desejo, Fanny, uma jovem inglesa que vivia em Portugal.

Vale destacar que ver o filme na cópia existente atualmente na web não é tarefa fácil. Seja por causa da própria fotografia, que tende para a escuridão, seja pela qualidade do DVD original, isso acaba sendo um obstáculo para quem quer ver um filme de cerca de 2h40 minutos de duração. Logo, é preciso um pouco de paciência. Até porque o filme fica mais interessante mesmo quando Fanny se faz mais presente na trama.

Antes disso, vemos muitas conversas entre Camilo e José Augusto. Embora Camilo acolha José Augusto em sua casa, para que ele não morra de depressão, o escritor costuma falar do amigo pelas costas, tanto para outros amigos, quanto para a própria Fanny, que sente logo um interesse por aquela figura esquálida e depressiva. Segundo Camilo, é melhor que ela se afaste de José Augusto, pois se trata de um homem sem alma, que costuma envenenar o espírito das pessoas e do ambiente em que circunda. E de certa forma, ele tinha razão.

O momento da fuga de Fanny com José Augusto é a primeira vez em que a trilha sonora se mostra não apenas solene, mas próxima da de um filme de horror, acentuada ainda mais pela negritude da noite e da floresta que os acolhe. Quanto à moça, não é difícil afeiçoar-se a ela e também se solidarizar por seu amor por um homem cujos sentimentos por ela são confusos.

Daí entramos na questão levantada no primeiro parágrafo, sobre o quanto as mulheres, criaturas mais amorosas e também mais práticas, se veem reféns de homens perturbados, cujo espírito romântico servia mais para atrapalhar do que para ajudar no relacionamento. No caso, entram também uma questão envolvendo uma carta, o passado de Fanny e o orgulho e o ego feridos de José Augusto.

Manoel de Oliveira narra essa tragédia em tons performáticos, com os atores encenando como num teatro, com ar grave e pausas dramáticas. Há um delicado cuidado com os enquadramentos, sendo a grande maioria dos planos estáticos, parecendo pinturas em movimento, pinturas cujo teor de preto é predominante. É também mais um exemplar de obra cuja palavra falada é extremamente valorizada. E isso acrescenta ainda mais poesia ao todo.

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