quarta-feira, abril 29, 2015
(O VENTO LÁ FORA)
Com a morte do ator, apresentador e diretor de teatro Antônio Abujamra ontem, dia 28, tive a oportunidade de ver no youtube um vídeo em que ele declama um dos poemas mais famosos (e também mais longos) de Fernando Pessoa, "Tabacaria". É o que começa com "Não sou nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer ser nada. / À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo". Ele o declama inteiramente. Um grande homem declamando com emoção uma obra-prima do maior poeta da língua portuguesa.
E com isso acabei lembrando que ainda não escrevi sobre o delicioso documentário (O VENTO LÁ FORA) (2014), de Marcio Debellian, visto no início do ano em sessão única, numa dessas mostras que o Cinema do Dragão tem feito para alegrar a nossa vida e alimentar o nosso espírito. O filme pode até não ser grande cinema, mas ver grande poesia sendo recitada com respeito e emoção na telona e em um local cheio de pessoas ávidas por esse alimento espiritual torna tudo ainda maior. Ajuda termos duas ótimas intérpretes: a Professora Cleonice Berardinelli, especialista em Literatura Portuguesa, e uma de nossas grandes cantoras, Maria Bethania, aqui com um senso de humor muito bem-vindo.
Entrei em contato com Fernando Pessoa um pouco tarde, já no primeiro semestre da faculdade. E nessa época comprei no sebo uma daquelas edições de capa vermelha da obra poética completa, em papel bíblia. Até hoje guardo-a com carinho e de vez em quando pego para recitar em voz alta alguns poemas. A descoberta de Pessoa foi bem impactante. Difícil não ficar encantado. Além do mais, acho bom saber que ainda falta muito para compreendê-lo mais. Gosto dessa coisa mística de não entender com a mente, mas de se sentir tocado emocionalmente, mesmo assim.
(O VENTO LÁ FORA) é só isso. E é tudo isso. Duas grandes mulheres recitando por dois dias – um dia com plateia – alguns dos poemas mais famosos daquele que doou a própria vida à poesia. Assim, ouvimos com alegria o poema sobre as cartas de amor serem ridículas, um trecho de Mensagem (de "Mar Portuguez"), "Poema em linha reta" ("Nunca conheci quem tivesse levado porrada.."), entre outros.
Há algo de didático no filme em algum momento, quando são apresentados os heterônimos mais famosos de Pessoa, o que ajuda não apenas a apresentar um pouco do poeta aos iniciantes, como também não deixa de ser gostoso de ver, mesmo para quem já conhece essas personas do poeta português. Funciona como uma deliciosa aula.
E por mais que Bethania seja uma estrela de primeira grandeza que já declarou seu amor a Fernando Pessoa em shows e em registro fonográfico, é Cleonice que, aos 98 anos, emana paixão e aparece com os olhos marejados a cada vez que recita ou vê a si mesma recitando os poemas do mestre. É tocante ver a sabedoria e o encantamento naqueles olhos que viram tanto, e que deve se sentir no mínimo muito grata à vida por ter entrado em contato com a poesia de Pessoa. Uma coisa apenas podemos reclamar de (O VENTO LÁ FORA): é muito curto. Tem pouco mais de 60 minutos de duração.
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