terça-feira, outubro 27, 2009

MATADOR



"Nos primeiros lances da tourada, o toureiro representa a tentação, é ele quem provoca o touro, que o chama para seduzi-lo, é um papel tipicamente feminino."
Pedro Almodóvar


A frase acima, encontrada no livro de entrevistas "Conversas com Almodóvar", ilustra o interesse do diretor por essa inversão de papéis, que também seria visto, e de maneira ainda mais complexa, em FALE COM ELA (2002). MATADOR (1986) é uma das obras mais estranhas da filmografia do cineasta, até por se aproximar mais do filme de gênero, no caso, o filme de suspense, de assassinatos. Mesmo não sendo um dos mais representativos de sua obra, MATADOR é um de seus melhores e mais interessantes trabalhos e carrega as marcas de seu autor do início ao fim.

O filme abre com o título enorme, escrito em vermelho, enchendo toda a tela. O vermelho aparece o tempo todo no filme, não apenas como a cor do sangue das vítimas, mas principalmente nas roupas. Até um vestido de noiva de um desfile de moda é vermelho, quando vemos a participação do próprio Almodóvar como um estilista. A morte e o sexo são tratados de maneira especialmente fascinante e bonita e podemos ver o quanto esses dois elementos combinam – há quem diga que o orgasmo é uma experiência de quase morte. E a assassina/advogada interpretada pela bela Assumpta Serna só dá cabo de suas vítimas usando uma agulha que prende o cabelo no momento do orgasmo. As cenas de Assumpta estão entre os pontos altos do filme e são sempre carregadas de beleza e sensualidade.

Por outro lado, o personagem de Antonio Banderas chega a ser ridículo em alguns momentos, como mais próximo do final, quando ele se revela um sensitivo. Ele é mais interessante enquanto é apenas um jovem atormentado por uma mãe castradora e membro do Opus Dei e que procura despejar suas frustrações tentando estuprar a jovem vizinha (Eva Cobo), namorada do toureiro aposentado e que hoje dá aula para aqueles que desejam ingressar na carreira. O professor, interpretado por Nacho Martínez, é o primeiro personagem a aparecer em MATADOR, masturbando-se enquanto assiste a um filme de terror com cenas de mutilação.

A mistura entre drama e comédia prossegue de maneira pouco usual, com a balança pendendo mais para o drama, como em seus trabalhos anteriores, com a diferença que MAUS HÁBITOS (1983) e QUE FIZ EU PARA MERECER ISTO? (1984) apresentavam elementos cômicos, mas narrados com dramaticidade e amargura. MATADOR, por sua vez, acrescenta pitadas de humor, como o já citado personagem de Banderas e a participação de Chus Lampreave.

Minhas cenas favoritas são as dos personagens mais fortes e interessantes: os de Assumpta Serna e Nacho Martínez. A última cena dos dois é de uma beleza sem igual. O espectador pode não se identificar com eles pelo fato de serem assassinos, mas fica difícil não vê-los como transgressores das regras da sociedade e, só por isso, já ganham a simpatia. O fato de eles serem completamente apaixonados um pelo outro também contribui para isso. MATADOR também se destaca por ser o primeiro filme de Almodóvar que apresenta personagens masculinos maduros, o que se tornaria mais comum em vários dos trabalhos seguintes do diretor.

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