quarta-feira, setembro 27, 2006

LANCELOT DU LAC



É impressão minha ou os filmes do Bresson vão ficando cada vez mais herméticos e confusos? Por não ter conseguido ainda cópias de UNE FEMME DOUCE (1969) e QUATRO NOITES DE UM SONHADOR (1971), tive de dar um pequeno salto em sua filmografia. Assim, cheguei a esse LANCELOT DU LAC (1974), sua visão bem pouco comum da Távola Redonda. Voltando à questão da complexidade narrativa, já tinha percebido isso nos anteriores A GRANDE TESTEMUNHA (1966) e MOUCHETTE, A VIRGEM POSSUÍDA (1967). São filmes que precisam de uma ou duas revisões para que sejam melhor assimilados, tanto no aspecto narrativo, quanto no sentido de buscar as reais motivações do cineasta.

LANCELOT DU LAC já começa de maneira bem estranha, mostrando cavaleiros duelando, sendo que um deles tem a cabeça decepada. O sangue esguicha como se estivéssemos assistindo a um filme de terror gore ou a KILL BILL, do Tarantino. Assim como a espada decepa a cabeça do cavaleiro, Bresson durante boa parte do filme corta a cabeça dos personagens. Em vários momentos, a câmera focaliza os cavalos no lugar dos cavaleiros. Tem uma cena de torneio onde não vemos praticamente nada a não ser umas bandeiras e as patas dos cavalos. Isso passa uma sensação incômoda ao espectador. Senti-me como se estivesse com algo tapando minha visão. Essa importância do que não aparece no enquadramento já havia sido explorada naquele que eu considero a obra-prima de Bresson: O PROCESSO DE JOANA D'ARC (1962). Porém, em LANCELOT DU LAC, o diretor leva isso às últimas conseqüências.

Acreditando que todo mundo já conhece a história clássica do triângulo amoroso Rei Arthur-Guinevere-Sir Lancelot, Bresson fornece poucas informações sobre a trama do filme. Quase todo mundo conhece a história trágica da rainha que se apaixona e tem um caso com o cavaleiro mais importante do reino. E de como isso destruiu uma nação. Bresson nos apresenta um Lancelot atormentado pela dúvida: deveria ele abandonar o amor para salvar a Távola Redonda? Já Guinevere aparece como uma mulher narcisista e que tem a convicção de que o mais importante é seguir com a relação, não importando os danos que isso possa causar. Rei Arthur aparece pouco, mas acredita que o fracasso da busca pelo Santo Graal se deve ao adultério de Guinevere. Por causa do adultério, Deus não permitiu que eles fossem bem sucedidos em seu intento.

Um dos cavaleiros mais importantes do filme e o personagem de sentimento mais nobre é Sir Gawain, que aparece tanto ou mais que Lancelot. Talvez seja ele o que mais aparece em closes. Gawain, já sabendo que o reino está por um triz, tenta a todo custa defender a honra de Lancelot e de Guinevere, ao contrário do traiçoeiro Mordred. LANCELOT DU LAC não diz, mas nos filmes que eu vi e nos quadrinhos que eu li, Mordred é o filho de Arthur com sua própria irmã, Morgana. No filme de Bresson, nem Morgana nem Merlin são citados. Bresson transforma um épico de grandes proporções num filme modesto e seco. Se nos típicos dramas bressonianos a sensação de estranheza já é rotineira, imagina isso num filme que poderia ser um épico. As interpretações desdramatizadas dos modelos tornam-se ainda mais gritantes.

Um dos detalhes que mais chamam a atenção no filme é o das armaduras dos cavaleiros. Como a trilha sonora é praticamente nula, o silêncio é entrecortado pelo som das armaduras de ferro, rangendo sempre que os homens se mexem. Muitas vezes ficamos sem saber quem está usando a armadura por causa do elmo que cobre todo o rosto do cavaleiro.

Interessante saber que a idéia de fazer um filme sobre os cavaleiros do Rei Arthur já havia sido considerada por Bresson no começo de sua carreira. Ele queria fazer o filme já na época de DIÁRIO DE UM PADRE (1951). E naquele tempo, como ele não era tão radical com essa coisa de não trabalhar com atores profissionais, ele até cogitava escalar Burt Lancaster e Natalie Wood. Fico imaginando como seria a Natalie num filme de Bresson. Taí algo difícil de imaginar.

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