quarta-feira, junho 28, 2006

DIAS DE IRA (Vredens Dag)



"Não há nada tão calmo quanto um coração que parou de bater."
(Rev. Absalom Pederssøn)

O que dizer de DIAS DE IRA (1943)? Que é uma obra incomparável, que é uma das maiores obras-primas da história do cinema? Dizer isso é chover no molhado. As palavras não teriam força suficiente para convencer às pessoas que ainda não viram o filme de quão poderosa é essa maravilha de Carl Th. Dreyer. Foi o primeiro trabalho de Dreyer que realmente me deixou de queixo caído. Adoro A PAIXÃO DE JOANA D'ARC (1927), mas como eu tinha acabado de ver O PROCESSO DE JOANA D'ARC, de Bresson, o filme de Dreyer acabou me envolvendo menos.

DIAS DE IRA é uma história sombria de feitiçaria e intolerância. Mas o que mais me deixou chocado é que talvez a intolerância não seja o principal tema do filme. Há um sentido ambíguo no drama de Ann (Lisbeth Movin), uma jovem mulher que é dada em casamento a um velho pastor especializado em queimar bruxas na fogueira - estamos na Europa do século XVII. A primeira personagem a aparecer no filme é uma velha senhora acusada de bruxaria que, fugindo dos fanáticos, procura abrigo na casa de Ann. Anos atrás, a velha havia ajudado a mãe de Ann a escapar da fogueira. Ann possui uma beleza enigmática, olhos que brilham como fogo. A chegada do filho do pastor à casa já dá um sinal de que ali se formará um perigoso triângulo amoroso. Completando o caldeirão fervente, na casa mora também a sogra de Ann, que não vê com bons olhos o casamento do filho com uma moça tão jovem.

A cena da velha sendo levada à fogueira é mais forte do que a de Joana D'Arc morrendo em A PAIXÃO DE JOANA D'ARC, já que agora há a utilização do som. DIAS DE IRA foi o segundo longa-metragem sonoro de Dreyer. Mas até poderia ser considerado o primeiro, já que O VAMPIRO (1932) é quase um filme mudo. E Dreyer usa o som com maestria. Os diálogos são praticamente sussurrados, contrastando com os gritos e com o barulho da cena da tempestade.

O DVD da Magnus Opus traz duas entrevistas de cerca de quinze minutos, cada, com Lisbeth Movin e Preben Lerdorff Rye, o ator que faz o filho do reverendo. Bem interessantes as entrevistas, especialmente a de Lisbeth. Ela lembra do dia em que fez a cena do velório do pastor, conta da atmosfera criada e da interrupção das filmagens num momento crucial. Essa seqüência é um daqueles casos raros de suspensão do tempo. O que me deixou mais intrigado com essa seqüência foi a sugestão de que Dreyer estaria acreditando que as bruxas do filme eram mesmo agentes a serviço de Satanás e não meras vítimas da repressão. Mas claro que existem várias interpretações para o filme.

Agradecimentos a Carol Vieira que fez a gentileza de emprestar sua coleção de Dreyer.

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