quarta-feira, agosto 10, 2005
JOANA D'ARC EM DOIS FILMES
De uma só tacada, peguei pra ver os dois mais importantes filmes sobre Joana d'Arc já realizados. São duas obras-primas que, apesar de se aterem principalmente ao processo da mártir e em seus momentos finais, são narrados em tons completamente diferentes. Os dois filmes foram dirigidos por dois dos maiores cineastas de todos os tempos: Carl Theodor Dreyer e Robert Bresson. A PAIXÃO DE JOANA D'ARC (1928), de Dreyer, aparece em várias listas de melhores de todos os tempos e Robert Bresson, diretor de O PROCESSO DE JOANA D'ARC (1962), em votação do site Senses of Cinema ficou em quinto lugar no Top Ten Diretores, ficando atrás apenas de Hitchcock, Godard, Welles e Kubrick. Pra mim, um resultado surpreendente.
Joana d'Arc é sem dúvida uma das mais importantes personalidades da História. Acho incrível saber que existiu de verdade uma garota que dizia receber visitas de anjos e santas que lhe passavam mensagens para liderar um exército a fim de tirar os invasores ingleses da França, durante a Guerra dos Cem Anos. Fica até difícil procurar uma explicação racional para isso. Lembro que quando li um livro de antroposofia, o autor (Rudolph Lanz) comentou que a história de Joana foi uma intervenção dos planos celestiais no destino da humanidade. Parece que era porque os franceses estavam num grau de evolução diferente dos ingleses. Já os espíritas acreditam que Joana era médium. A Igreja Católica hoje a considera uma santa, mas a morte de Joana, eu vejo como mais uma mancha no passado negro da instituição.
A PAIXÃO DE JOANA D'ARC (La Passion de Jeanne d'Arc)
Minha primeira experiência com um filme de Dreyer e logo de cara fiquei apaixonado. Demorei a pegar o DVD pra ver, talvez por ter uma certa resistência a filmes mudos, mesmo gostando muito de Chaplin e Murnau. A Joana d'Arc de Dreyer é bem mais emocionada, mais chorona. Bem diferente da fortaleza que é a Joana de Bresson. Muito da força do filme está nos poderosos closes da mártir e dos inquisitores. Nenhum dos atores do filme usaram maquiagem, por isso o filme não tem aquela cara de produção dos anos 20. É uma obra atemporal.
A atriz (Maria Falconetti) se entregou tanto ao papel que provocou lágrimas em toda a equipe quando filmou a cena em que tem seu cabelo cortado, momentos antes de ir para a fogueira. Falconetti tinha 35 anos quando viveu a Joana d'Arc de 19. Sua performance inspirou Godard no seu VIVER A VIDA (1962), filme que, aliás, está saindo em DVD no Brasil pela Magnus Opus. O sofrimento de Joana nesse filme é tamanho que até pode ser comparado ao sofrimento de Jesus. Uma coisa que não tem no filme de Bresson e tem nesse de Dreyer é a revolta de parte da população depois da morte de Joana.
Até já virou lenda o costume de Dreyer em fazer suas atrizes sofrerem em seus filmes. Tem o caso do filme DIAS DE IRA (1943), que também tem uma cena de uma mulher sendo queimada na fogueira, acusada de bruxaria. Dizem que quando estavam filmando a cena, enquanto a mulher (Anna Svierkier) estava lá amarrada na estaca, chamaram o pessoal para o almoço. Dreyer deu ordens de deixá-la lá esperando na estaca enquanto toda a equipe almoçava. A raiva dela deve ter sido tamanha que sua interpretação ficou ainda mais crível.
O diretor de fotografia de A PAIXÃO DE JOANA D'ARC é Rudolph Maté, que voltaria a trabalhar com Dreyer em O VAMPIRO (1931). Ele tem no currículo também: CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO, de Hitchcock, GILDA, de Charles Vidor, e A DAMA DE SHANGHAI, de Orson Welles.
A qualidade do DVD da Continental está surpreendente muito boa. Deve ser cópia do DVD da Criterion. A imagem está até melhor que a do DVD de O PROCESSO DE JOANA D'ARC, apesar da diferença de idade das duas obras. E olha que o filme tem um histórico de ser dado como perdido e de ter sido reencontrado só anos depois. De extras, o DVD traz alguns textos muito bons. Não sei dizer de quem é a música que colocaram como trilha sonora, mas gostei bastante. Uma música religiosa, tudo a ver com o filme.
O PROCESSO DE JOANA D'ARC (Procès de Jeanne d'Arc)
Talvez por ter visto antes do filme de Dreyer e numa madrugada calma, acho que gostei ainda mais do filme de Robert Bresson. Trata-se de um filme totalmente diferente. Mais seco, mais conciso, mais frio, o filme paradoxalmente acabou me emocionando mais. Tanto que meu interesse pelos filmes de Bresson aumentaram exponencialmente depois desse filme.
Bresson era famoso pelo seu método diferente de dirigir. Não gostava de usar atores profissionais. Preferia não-profissionais e os chamava de modelos. O PROCESSO DE JOANA D'ARC foi realizado dessa maneira.
A cena que mais ficou forte em minha memória foi a da tomada dos pés de Joana d'Arc, quando ela está a caminho da fogueira. Senti uma angústia tamanha que parecia que era eu que estava para ser queimado. Talvez a força do filme esteja no fato de ele ser tão conciso, tão concentrado nos seus 61 minutos. Bresson, ao esconder da gente muita coisa, dá-nos o poder de inferir sobre o que não está sendo mostrado no enquadramento.
Virei fã do diretor com esse filme. De sua filmografia de apenas 13 filmes, eu só tinha visto AS DAMAS DO BOIS DE BOLOGNE (1945), e nem tinha gostado muito, mas agora quero ver tudo que for lançado dele por aqui. Esse mês está saindo pela Magnus Opus DIÁRIO DE UM PADRE (1951), um de seus filmes mais cultuados.
No DVD de O PROCESSO DE JOANA D'ARC, lançado pela Versátil, tem um interessante depoimento do crítico Luiz Zanin Oricchio sobre o filme e os métodos de Bresson.
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