terça-feira, agosto 08, 2023

PARCEIROS DA NOITE (Cruising)



E ontem foi a vez de deixar este plano de existência um dos mais importantes cineastas da Nova Hollywood, William Friedkin. Controverso e com uma carreira irregular, mas muito interessante e intrigante, Friedkin teve seu auge de popularidade no início dos anos 1970, com OPERAÇÃO FRANÇA (1971) e O EXORCISTA (1973), mas não deixou de fazer grandes obras, ao contrário do que muitos dizem, ao trazerem para ele uma espécie de maldição de seu filme de 73. Destacam-se também O COMBOIO DO MEDO (1977), VIVER E MORRER EM LOS ANGELES (1985), POSSUÍDOS (2006) e seu grande comeback KILLER JOE – MATADOR DE ALUGUEL (2011). Sem falar em outras obras que merecem atenção, certamente. Até filme inédito a estrear em Veneza neste ano ele tem ainda, THE CAINE MUTINY COURT-MARTIAL. Ou seja, mesmo doente e com quase 88 anos de idade, Friedkin ainda estava ativo e até tinha outros projetos em andamento.

O filme que escolhi para homenageá-lo foi o controverso PARCEIROS DA NOITE (1980), estrelado por Al Pacino. Mas antes de falar do filme, acho interessante falar um pouco sobre a importância da mídia física. Às vezes a gente pensa que a mídia DVD está morta e que o melhor é mesmo ir à caça de cópias em 1080p ou 720p, mas a gente pode se enganar bastante. Claro que a gente quer ver o filme na melhor cópia possível, mas, por incrível que pareça, a cópia em DVD deste filme está tão boa quanto a de 720p disponível pela internet.

E há outra coisa que faz a diferença: não é a primeira vez que desisto da cópia de qualidade de imagem melhor por causa de legendas ruins, seja de tradução, seja do tempo delas na tela. Aconteceu recentemente quando parei para rever A MORTE NUM BEIJO em 1080p e desisti por causa das legendas péssimas. E aconteceu com PARCEIROS DA NOITE. No caso deste segundo, a qualidade da imagem do DVD se destaca positivamente. Então, quem puder prestigiar a mídia física, faça. Afinal, ainda que um filme como este do Friedkin esteja disponível para aluguel, quem garante que a versão é a restaurada em 4K de 2019? Além do mais, o box (Cinema Policial – Anos 80) ainda traz dois documentários de mais duas horas dirigidos por Laurent Bouzereau, um cara que virou sinônimo de qualidade de extras. 

Os documentários nos trazem informações muito importantes para compreendermos o contexto em que o filme foi feito, como o fato de as filmagens serem constantemente atrapalhadas por militantes gays desde o anúncio de seu lançamento. Era de fato um problema apresentar uma parte da cultura gay nova-iorquina associada a assassinatos e a violência e foi um martírio que o cineasta enfrentou bravamente ao longo de toda a jornada, sem transparecer perturbação para a equipe técnica e elenco.

As críticas à época não foram positivas, mas hoje, passadas décadas, é um filme que tem muito mais apoio, muito mais apreciadores. O herói do filme, vivido por Al Pacino, é representativo do tipo de herói visto nas obras do realizador. Como é comum nos filmes de Friedkin, inicialmente somos levados a uma identificação com o herói para, em seguida, nos distanciarmos dele. O momento mais simbólico disso no filme é a última imagem que vemos de Pacino, quebrando a quarta parede e olhando para o público, e causando desconforto.

Muitas cenas são deliberadamente confusas, como uma das últimas em que vemos um homem de roupa de couro entrando à distância num armazém. Poderia ser o personagem de Pacino, poderia ser um dos outros homens apresentados. A noite confunde. Há uma cena de violência que é bem gráfica e perturbadora: a do esfaqueamento na cama, que tem uma carga emotiva que as demais não têm. É possível sentir a aflição e o desespero que daquele homem. (E eu confesso que me lembrei de um amigo que morreu assassinado em circunstâncias mais ou menos parecidas, pelo menos no que se refere a estar amarrado e estar consciente de que seria assassinado.)

Ao que parece, Friedkin optou por um tipo de violência menos gráfica nas demais cenas de mortes para tornar a obra um pouco mais aceita nos cinemas, ainda que recebendo classificação para adultos (Rated R - NC-17). Uma coisa que me incomodou, a princípio, foi o fato de o policial infiltrado de Pacino não transar com nenhum dos homens do clube de sadomasoquismo. É exatamente o contrário do que espiões ou policiais infiltrados fazem: procuram se tornar parte do ambiente, a ponto de usarem drogas quando necessário. Mas existe também a possibilidade de ter acontecido e não vemos.

E isso talvez justifique um pouco o tom atormentado do personagem sempre que ele vai para a cama com a namorada (Karen Allen). De todo modo, é justamente o tom de incerteza que acaba tornando o filme um dos melhores de Friedkin. Afinal, não sabemos quem é o assassino, não sabemos se os policias agressores de travestis do início do filme são policias de verdade ou não; não sabemos se há relação de fato entre as vítimas mortas com esfaqueamento e a vítima esquartejada. E o filme não tem a intenção de deixar nada claro. 

+ DOIS FILMES

ÂNSIA (Thirst)

Gosto mais do primeiro terço, quando Kate (Chantal Contouri) se vê presa naquela irmandade de vampiros que a sequestra, sendo ela, supostamente, descendente da lendária Condessa de Bathory. O filme destaca o laboratório e a fazenda onde é produzido o "leite" e onde o "rebanho" é alimentado. ÂNSIA (1979), de Rod Hardy, faz parte de uma série de filmes produzidos pela mesma companhia australiana do mais famoso PATRICK, lançado no ano anterior. A lógica de atrair o público é semelhante à usada em vários filmes de gênero italianos: contratar atores e atrizes conhecidos do público. Aqui temos David Hemmings como um vampiro mais solidário e Henry Silva como um dos homens mais agressivos do grupo. Um bom filme. Visto no box Vampiros no Cinema 6.

SHAKMA - A FÚRIA ASSASSINA (Shakma)

No começo de SHAKMA - A FÚRIA ASSASSINA (1990), de Hugh Parks e Tom Logan, confesso que me deu um pouco de preguiça, pois é claramente um filme com pouco esmero na construção dos personagens e dos diálogos e há um joguinho que a turma do hospital cria para a noite, cujas regras acabam ficando pouco claras. Mas o jogo é apenas uma desculpa para que os personagens fiquem sozinhos e à mercê do babuíno enlouquecido por causa de um experimento científico. Em determinado momento, porém, fiquei empolgado, e há uma personagem por quem torci bastante, a Kim (Ari Meyers), embora o protagonista seja Sam (Christopher Atkins, A LAGOA AZUL). Fiquei impressionado com a atuação do babuíno quando está disposto a matar quem vir pela frente. Soube que o babuíno é o mesmo usado em A MOSCA, de David Cronenberg, mas é aqui seu grande papel, ele é o grande astro do filme, sem dúvida. SHAKMA foi sucesso no Cine Trash, da Band. Se de fato o filme passou à tarde, acho admirável, já que se trata de um terror/suspense bem sangrento, com lógica de slasher. É ruim, mas é bom. Visto no box Obras-Primas do Terror 19.

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