segunda-feira, maio 31, 2021
LES CHOSES QU'ON DIT, LES CHOSES QU'ON FAIT
É curioso notar como Emmanuel Mouret está cada vez mais saindo do território da comédia e adentrando o melodrama de cabeça. A própria estrutura de LES CHOSES QU'ON DIT, LES CHOSES QU'ON FAIT (2020), composta por vários flashbacks, lembra bastante os trabalhos feitos na velha Hollywood (e também no velho cinema francês), por gente como Douglas Sirk, Max Ophüls e Vincent Minnelli, mas também há algo de François Truffaut, especialmente no flashback que mostra a tentativa de dois rapazes apaixonados pela mesma mulher morarem numa mesma casa, que remete a JULES E JIM - UMA MULHER PARA DOIS.
Na trama, Maxime (Niels Schneider, visto no excelente UM AMOR IMPOSSÍVEL) chega para passar uns dias na casa do seu amigo François (Vincent Macaigne, sempre ótimo), mas esse amigo não está lá, está viajando a trabalho. A namorada grávida de três meses de François, Daphné (Camélia Jordana, vista em O ORGULHO), é que muito gentilmente o recepciona. Daphné fica sabendo que Maxime andou passando por situações amorosas difíceis ultimamente, e que provavelmente estaria ali para espairecer, esquecer um pouco o ocorrido e quem sabe começar a escrever o seu primeiro romance.
Daphné se oferece para escutar a história de Maxime, caso ele não se importe de contar a ela, ou caso ele se sinta à vontade para tal. Ele reluta um pouco, mas logo começamos a entrar em sua história, que envolve duas jovens mulheres e um amigo, mas principalmente sua paixão (ou seria amor?, ou desejo apenas?) por Sandra (Jenna Thiam, vista em PARIS 8). O questionamento sobre o real sentimento de Maxime por essa mulher surge depois. É uma constante nos filmes de Mouret, esse posicionamento de dúvida e também de insegurança.
Com o tempo que Maxime e Daphné têm juntos naquele espaço campestre de verde paradisíaco, eles alternam suas histórias. E Mouret faz isso elaborando sempre links entre o fim de parte de uma história e o início de parte da outra. A história de Daphné nos diz como ela conheceu François, um homem que foi aceito em sua vida por causa de um sentimento de rejeição que ela teve pelo fato de estar apaixonada pelo chefe e de não haver reciprocidade. Assim, aos poucos, ela foi se aproximando de François, apesar de ele ser casado. Dentro do flashback de Daphné há um flashback de François, que conta um pouco do ambiente familiar e do que ocorre entre ele e a esposa Louise (Émilie Daquenne, eternamente lembrada pelo papel-título em ROSETTA, dos irmãos Dardenne).
Aliás, vale lembrar que, das 13 indicações ao César, o único prêmio que o filme levou foi o de atriz coadjuvante para Daquenne. Prêmio justíssimo, e esse brilhantismo da atriz no filme só apareceria numa espécie de quebra da estrutura original da narrativa, próximo do final, em que Mouret faz um arremate brilhante e emocionante. É como se o realizador fizesse uma variação de algo visto de maneira similar em seus filmes anteriores - UM NOVO DUETO (2013), ROMANCE À FRANCESA (2015) e MADEMOISELLE VINGANÇA (2018), em que personagens agem conscientemente numa demonstração de espírito superior.
A opção de utilizar uma seleção de música erudita (não original), a exemplo do que costumava fazer Stanley Kubrick, traz uma impressão de atemporalidade para as histórias de paixões, contradições e perdas, narradas no fluxo de consciência dos atormentados personagens, que vivem situações em que a vida lhes prega peças.
Agradecimentos à Paula pela companhia durante a sessão.
+ DOIS FILMES
A CULPA DOS PAIS (I Bambini Ci Guardano)
Do box "O Cinema de Vittorio De Sica", resolvi começar pelo mais antigo dos seis filmes, para talvez ter uma melhor noção da evolução do diretor, apesar de já conhecer as obras-primas LADRÕES DE BICICLETA (1948) e UMBERTO D. (1952). A CULPA DOS PAIS é um melodrama social sobre um garoto que sofre depois que a mãe resolve sair de casa para ficar com o amante. Há algo de moralista que me incomoda um pouco, na visão irresponsável que pinta a mãe do garoto, mas é compreensível pela sociedade da época. Além do mais, existem mães irresponsáveis mesmo. O forte do filme talvez seja o fato de ser narrado majoritariamente pelo ponto de vista do menino. É ele quem mais importa, no fim das contas. É um filme que já adianta o grande cineasta que estava se formando, com suas preocupações humanas.
ME SINTO BEM COM VOCÊ
Gosto dos filmes de Matheus Souza. Eles têm uma cara própria, uma aproximação com a geração millennium que não vejo em outros filmes, além de serem herdeiros espirituais do cinema de Domingos de Oliveira. Há até a participação de Priscilla Rozenbaum, viúva de Domingos, neste novo filme. ME SINTO BEM COM VOCÊ (2021) é impregnado de uma melancolia que eu não estava acostumado a ver nos outros filmes do realizador/ator, muito, claro, por causa das circunstâncias, o afastamento, a pandemia, o fato de ser um filme feito à distância com aparelhos eletrônicos de comunicação e distanciamento social, enquanto milhares de vidas estão indo embora. No que se refere à melancolia, é o extremo oposto do festivo TAMO JUNTO (2016), mas na intimidade com as mídias sociais como elementos de aproximação, é uma espécie de continuação de ANA E VITÓRIA (2018). Aqui temos cinco histórias sobre diferentes vivências (duas irmãs que sentem a falta da falecida mãe, um rapaz e uma moça que tinham uma relação baseada apenas em sexo antes da pandemia, duas moças apaixonadas uma pela outra, um casal vivendo uma crise dentro do apartamento). Há alguns momentos de rara beleza e há outros momentos que se beneficiariam de uma edição. Ainda assim, é um filme que é a cara do nosso momento, feito dentro das possibilidades e muito coerente com a poética de seu autor.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário