domingo, janeiro 24, 2021

MADEMOISELLE VINGANÇA (Mademoiselle de Joncquières)



A semana não foi fácil, por uma série de situações no mínimo chatas que ocorreram e que acabaram por aumentar ainda mais o bloqueio de escrita, que já era algo que eu estava sofrendo por motivos distintos, especialmente pelo velho problema da laringite alérgica. Assim, estou me forçando a escrever esta postagem e espero que resulte em algo no mínimo decente. Se não resultar, fica pelo menos registrado o momento e também o apreço que tenho pelo filme em questão e por seu realizador.

Já faz uns meses que ando procurando ver as obras que faltam de Emmanuel Mouret. Este MADEMOISELLE VINGANÇA (2018) é com certeza o de mais fácil acesso ao público geral, por estar disponível na Netflix. Faz parte de um processo de transição do cineasta que já se antecipava no anterior ROMANCE À FRANCESA (2015), uma comédia com toques dramáticos e sabor amargo. (Não vi ainda UM NOVO DUETO (2013), mas está nos meus planos para breve.)

Ao contrário de todos os outros filmes de Mouret, MADEMOISELLE VINGANÇA não vem de um roteiro original do realizador; é adaptado do romance Jacques, O Fatalista e Seu Mestre (1773), de Denis Diderot, mesmo romance que havia sido inspiração para AS DAMAS DO BOIS DE BOULOGNE, de Robert Bresson. Pelo que li de Diderot, trata-se de um filósofo que nunca deixou de lado a filosofia em seus romances e peças. E as questões morais são os aspectos mais importantes nesta adaptação feita por Mouret.

Na trama, Cécile de France (UM BELO VERÃO) é uma viúva da aristocracia, a Madame de la Pommeraye, que passa a se interessar romanticamente pelo Marquês de Arcis (Edouard Baer), um sujeito que tem mesmo a intenção de conquistar o coração da bela viúva através de galanteios e demonstrações de inteligência e sensibilidade. A Madame não demora a se apaixonar por ele e logo eles iniciam um relacionamento estável. Um relacionamento, porém, que começa a esfriar rapidamente.

Ela passa a suspeitar que o marquês não mais a ama (teria ele uma amante?) e faz um jogo arriscado, ao dizer que não nutre mais os mesmos sentimentos por ele, de modo a esperar alguma reação de contrariedade da parte do homem. Em vez disso, ele fica bastante tranquilo com essa declaração e diz que sente o mesmo e que ia adorar ser para sempre um amigo da madame. Ela, por sua vez, disfarça o desapontamento e sente um ódio intenso por ele a ponto de querer uma vingança bem cruel.

A vingança se dá pela via do coração, ao montar um esquema de apresentação de uma jovem pobre que aceita atuar no jogo de sedução para fisgar o marquês. A tal jovem, a Mademoiselle de Joncquières do título, vivida por Alice Isaaz (DOCE VENENO), tem um histórico que poderia envergonhar a aristocracia francesa, já que ela foi prostituta, mas interpreta o papel de uma virgem recatada para o marquês. O homem fica obcecado pela jovem logo da primeira vez que a vê, e pede ajuda à "amiga" madame, que mexe os pauzinhos à sua maneira.

Gosto ainda mais do último ato do filme, da revelação final e também de quando Mademoiselle de Joncquières passa a ganhar uma maior profundidade e força na trama, tornando-se mais interessante e também digna de nossa empatia.

Com este conto moral, Mouret se aproxima mais uma vez de Éric Rohmer. O humor é bem mais sutil e está principalmente nos diálogos afiados da rede de intrigas e artimanhas. O filme tem um visual deslumbrante, de encher os olhos, principalmente quando destaca a natureza. Mas sua força está na humanidade de seus personagens, algo comum e característico da poética do cineasta, que aqui se arrisca em fugir um pouco de seu caminho tradicional. Felizmente, foi uma fuga muito bem-vinda.

Agradecimentos à Paula pela ótima companhia durante a sessão.

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