Interessante como certos filmes mais ou menos próximos do gênero horror podem provocar reações de surpresa, seja ela pelo fato de o tal filme não parecer se adequar à caixinha mais convencional do gênero, seja por não ser também um retrato mais realista de um drama humano. SWALLOW (2019), primeiro longa-metragem de ficção de Carlo Mirabella-Davis, se encaixa nessa categoria, já que a expectativa pelo que vem a seguir é tão ou mais forte do que aquilo que o filme mostra.
Por mais que alguém não vá gostar do filme, vai ser difícil não reconhecer o talento incrível da jovem atriz Haley Bennett, que até apareceu em um ou outra produção mais famosa recentemente, mas que só ganhou a atenção pra valer mesmo neste papel, o de uma mulher casada que está grávida pela primeira vez e que, a partir de uma dica de um livro de autoajuda presenteado pela sogra (Elizabeth Marvel), tem a ideia de engolir coisas. Começa com bolinhas de vidro e depois passa a usar coisas mais pontiagudas. Obviamente, aquilo vai ter uma repercussão bem violenta em seu corpo.
O fato de estarmos, na maior parte do tempo, na intimidade de Hunter Conrad, a personagem de Haley, nos torna próximos da personagem, cúmplices de seus atos. A proximidade é tanta que somos apresentados também ao resultado das primeiras experiências de Hunter, ao resgatar nas fezes a coleção de objetos engolidos. Sem dizer ao marido (Austin Stowell) o que está fazendo enquanto ele está fora de casa trabalhando, ela diz estar feliz, acreditando que está fazendo algo extraordinário.
Quando tudo é descoberto e ela vai parar no hospital, o filme ganha outros tons. A conversa de Hunter com a psicóloga ajuda a trazer aspectos de seu passado para o presente que aprofunda a personagem, e torna o filme ainda mais complexo e interessante, com as revelações e, posteriormente, com um posicionamento mais rebelde e menos subserviente da protagonista, ganhando contornos feministas e trazendo mais força para o filme.
Vale destacar também a beleza da direção de arte. O filme foi filmado em uma casa luxuosa do interior do estado de Nova York e as paredes de vidro fazem lembrar a casa do recente O HOMEM INVISÍVEL, de Leigh Whannell. As cores do ambiente exterior são vivas, contrastando com as cores frias do interior da casa.
Lançado no Festival Tribeca em abril do ano passado, chegando a ser exibido na Mostra de São Paulo, o filme teve lançamento limitado em poucos cinemas da França e dos Estados Unidos no início de 2020, e acabou ganhando mesmo o mundo em VOD. Ainda mais agora, com a crise provocada pelo Coronavírus, as pessoas terão que apreciar o filme em casa mesmo.
+ TRÊS FILMES
UM SIMPLES FAVOR (A Simple Favor)
Um filme de tantas reviravoltas e tantas referências a noirs clássicos, que não dá para acreditar que aquilo é baseado em uma história real. As duas atrizes estão ótimas e os plot twists e o senso de humor afiado do Feig também contribuem, assim como a maneira como a narrativa se constrói, oferecendo dados importantes só aos poucos. Não lembro de ver a Blake Lively tão atraente e interessante. Direção: Paul Feig. Ano: 2018.
SLENDER MAN - PESADELO SEM ROSTO (Slender Man)
Tem dias que o melhor a fazer é ficar em casa. E nem é por causa só do filme ruim, não. Mas uma série de coisas que parecem depor contra. Mas, enfim, ao menos cheguei vivo. Não sei se o problema é do terror tradicional, da fórmula que está desgastada, dando lugar ao pós-horror. Mas talvez nem seja, pois um diretor como esse cara aí não sabe construir nem atmosfera nem fazer uma trama interessante. De bom, só mesmo o carisma de Julia Goldani Telles. E olha que nem gosto do papel dela em THE AFFAIR, que é de onde eu a conheço. Direção: Sylvain White. Ano: 2018.
A REGIÃO SELVAGEM (La Región Salvaje)
Cronenberg, Almodóvar and Lovecraft going to Mexico. Filme lindo e impressionante, que merece ser visto com uma aparelhagem de som boa o suficiente para captar as atmosferas. O trabalho de direção é brilhante, mesmo que no fim eu tenha ficado com a sensação de rapidez na conclusão da narrativa. Mas não tenho do que reclamar. Melhor ver sem saber nada a respeito. Direção: Amat Escalante. Ano: 2016.
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