A Universal Pictures é uma produtora e distribuidora que tem um histórico bonito na década de 1930, quando foi a principal referência do que se fazia de cinema de horror em Hollywood. Começou a trazer os chamados monstros clássicos. Primeiro Drácula, depois Frankenstein, depois a Múmia, o Homem Invisível, o Lobisomem e o Monstro da Lagoa Negra. Além de variadas continuações e derivados desses personagens. Foi um sucesso estrondoso que durou mais de duas décadas.
Na última década, porém, a Universal havia tentado, em vão, sucesso em trazer de volta esses monstros, em nova roupagem. Tentaram com O LOBISOMEM (2010), com um diretor bom, Joe Johnston, e, apesar de o filme não ser ruim, pouca gente lembra. Em seguida, o estúdio teve a ideia de contar uma história diferente de um de seus ícones. O resultado foi DRÁCULA - A HISTÓRIA NUNCA CONTADA (2014), dirigido por Gary Shore, que acabou caindo no esquecimento. O mesmo ocorreu com VICTOR FRANKENSTEIN (2015), de Paul McGuigan, estrelado por Daniel Radcliffe, e chegou mesmo ao fundo do poço com A MÚMIA (2017), de Alex Kurtzman. Nem com a presença de Tom Cruise no elenco o filme conseguiu ganhar as audiências. Por isso, a ideia do estúdio de criar um chamado Dark Universe acabou sendo arquivada.
Assim, chegamos finalmente a O HOMEM INVISÍVEL (2020), que nem tinha um diretor de primeiro escalão ou com uma obra tão marcante à frente. O australiano Leigh Whannell, que até então só havia dirigido dois longas, sendo um deles o pouco inspirado SOBRENATURAL - A ORIGEM (2015), seria, portanto, o responsável por dar uma repaginada na história de Adrian Griffin (o primeiro nome não aparece no romance de H.G. Wells e é geralmente mudado a cada adaptação para o cinema), o homem que ficaria insano após uma experiência de se tornar invisível.
O grande acerto de Leigh Whannell, que assina também o roteiro, é que há agora uma mudança de ponto de vista, que passa a ser da esposa de Griffin, uma mulher abusada e violentada e que foge de uma moderna e sofisticada casa de vidro à beira-mar em uma primeira sequência cheia de tensão. Vivida pela excelente Elisabeth Moss, Cecilia Kass consegue unir a fragilidade e a fortaleza em um único personagem, uma mulher profundamente traumatizada pelo marido, que é tido como morto. Seria uma boa notícia, mas ele deu um jeito de ter forjado a própria morte e agora está invisível para atormentá-la. Obviamente ninguém acredita nessa história e ela é tida como louca. O próprio filme traz possibilidades de que tudo não passa de loucura da personagem.
O interessante de tudo é que não vemos os tais maus tratos sofridos por Cecilia durante o casamento, mas aceitamos de bom grado seu medo intenso do marido sádico e monstruoso. E o que é ainda mais fantástico é que o filme consegue passar um clima de medo e tensão constantes, à medida que sabemos que há alguém dentro daquele espaço grande da janela scope. Whannell é sábio também em não enfatizar espaços claustrofóbicos ou muitas tomadas em close-up. Temos várias cenas em que vemos o espaço da casa, com a protagonista aparecendo no canto, enquanto os móveis e as paredes ocupam os dois terços do quadro.
A elegância dos planos é um destaque, assim como é também o uso magnífico do som e da música, que dá um tom de ainda mais horror à situação de perseguição que a desacreditada personagem sofre o tempo inteiro. Vale destacar o nome do compositor: o inglês Benjamin Wallfisch, que havia trabalhado em filmes como BLADE RUNNER 2049 (2017) e IT - A COISA (2017), entre outros. Mas é neste O HOMEM INVISÍVEL que vemos a excelência de seu trabalho. Em entrevista ao site Moviemaker, ele contou que se inspirou na trilha de Bernard Herrmann para PSICOSE. Ou seja, há momentos de completo silêncio, e outros em que a música aparece cortando agressivamente como uma faca nas mãos de alguém louco ou desesperado.
Há outros elementos hitchcockianos em O HOMEM INVISÍVEL, como os twists, as surpresas. E podemos dizer que temos uma obra tão bem-sucedida, que consegue, diferentemente de muitos filmes do gênero, chegar ao seu clímax e continuar ainda forte, intenso, capaz de deixar o espectador prendendo a respiração. Há também uma dose generosa de gore e uma cena de ação fora de série (a cena do manicômio). Além do mais, ter uma atriz como a Elisabeth Moss, que já interpretou outras sobreviventes sofridas em séries como TOP OF THE LAKE e THE HANDMAID'S TALE, foi uma aquisição e tanto, e ela em si já é um símbolo desses tempos de luta contra a violência doméstica e o abuso sexual, dentro de uma obra que apresenta uma mulher à sombra de um relacionamento abusivo.
P. S: Quem tiver a oportunidade de ver o filme em uma sala IMAX, não deixe de aproveitar essa chance de ouro.
+ TRÊS FILMES
A HORA DA SUA MORTE (Coutdown)
Para um filme que tem como intenção apenas a diversão de um público juvenil, até que A HORA DA SUA MORTE é bem-sucedido. Não faltam momentos de sustos (alguns nem sempre funcionam, é verdade, mas outros sim). A ideia é boa e ao que parece original. Afinal, ninguém havia feito um filme sobre um app de contagem para os dias de vida. Depois disso, a narrativa lembra um bocado a franquia PREMONIÇÃO, com a diferença que aqui temos uma espécie de demônio para buscar as pessoas na hora da morte. E o filme lida com o sobrenatural de maneira cristã, com ajuda de um padre e tudo. No mais, é redondinho, tem uma atriz linda como protagonista (a jovem Elizabeth Lail), mas também pode ser esquecível. Direção: Justin Dec. Ano: 2019.
MARIA E JOÃO - O CONTO DAS BRUXAS (Gretel & Hansel)
Há pelo menos dois motivos para ir ao cinema ver este filme: o primeiro é a presença brilhante da jovem Sophia Lillis, que cada vez mais vem se mostrando uma grande atriz; o segundo é o visual lindo (a fotografia, a direção de arte, os ângulos de câmera inusitados e até alguns momentos que lembram A MONTANHA SAGRADA, de Alejandro Jodorowsky). Achei um tanto confuso no modo como coloca a trama no início, mas tem uma bela construção de climas. E o aspecto bizarro é, de certa forma, suavizado (no sentido de não exagerar), dando às cenas mais características de filmes de horror um aspecto de sonho/pesadelo. Há também uma questão feminista forte, ligada ao protagonismo da mulher, associado à questão das bruxas e o medo que ela pode trazer aos homens. Para um diretor que fez o seu terceiro filme protagonizado por uma mulher, não deixa de ser um ponto de intersecção interessante. Direção: Oz Perkins. Ano: 2020.
ZUMBILÂNDIA - ATIRE DUAS VEZES (Zombieland - Double Tap)
Não lembro de ter gostado tanto do primeiro quanto gostei deste. Canção foda do Metallica nos créditos iniciais, Emma Stone mais linda e apaixonante do que nunca (e sem precisar se esforçar muito), elenco de apoio muito bom (a entrada de Rosario Dawson e a cena na nova Graceland são pontos altos), e um humor que quase sempre acerta. O problema é quando não acerta, mas isso é normal. Não dá pra ficar pedindo para rir de todas as cenas. Até porque tem piadas que parecem muito americanas. Além dos diálogos espirituosos, há boas coreografias nas cenas com os zumbis e bem-vindas referências pop. Eu veria um terceiro filme com essa turma muito de boa, mas não sei se haverá. Já não deve ter sido muito fácil reunir os três astros. Direção: Ruben Fleischer. Ano: 2019.
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