segunda-feira, outubro 09, 2017

BLADE RUNNER 2049

Denis Villeneuve disse, em entrevista à Indiewire, que há duas versões de BLADE RUNNER (apesar das várias existentes). A primeira, a de 1982, é sobre um ser humano que se apaixona por uma androide; a segunda, a final cut de 2007, é sobre um replicante que descobre sua verdadeira identidade. O interessante de BLADE RUNNER 2049 (2017) é que é algo entre esses dois temas, juntos e misturados. E tudo narrado na tentativa de tangenciar o original de Ridley Scott, mas, obviamente, sem fugir das obsessões próprias do cineasta canadense.

A decisão de deixar para Villeneuve a direção da sequência de BLADE RUNNER foi um acerto de Ridley Scott, aqui atuando como produtor. O cineasta mais jovem traz frescor e novidade para o universo de Philip K. Dick e Scott, mas também o respeita como se fosse algo digno de adoração. Segundo o próprio Villeneuve, o filme original era como uma Bíblia para ele, algo a ser seguido para que ele conseguisse atingir o seu objetivo final nesta tão aguardada sequência.

No novo filme, que se passa 30 anos após os eventos do primeiro, somos apresentados a uma nova situação. Ainda há replicantes sendo caçados, mas os novos exemplares compartilham suas vidas com os seres humanos que habitam a Califórnia. E assim conhecemos o replicante K (Ryan Gosling), um detetive de polícia que tem a tarefa de caçar replicantes considerados velhos e perigosos pela segurança (encabeçada pela personagem de Robin Wright).

Acontece que já no primeiro modelo que ele trata de "aposentar", o replicante vivido por Dave Bautista, ele ouve algo que o deixa intrigado, algo relacionado a não ter visto um milagre. K é um homem que tem suas próprias angústias, mas leva a vida conformado com o fato de ser um simples androide sem alma. O que mexe com sua cabeça é a história absurda de que uma replicante ter dado à luz uma criança. Nem é preciso dizer que se trata de Rachael, a marcante e apaixonante personagem de Sean Young no filme original.

Rachael teria morrido no fantástico parto e Deckart (Harrison Ford), que havia partido com ela, está desaparecido há 30 anos. Assim, K passa a querer também ir fundo e por conta própria na investigação desse fascinante caso. Até porque ele guarda uma memória que lhe parece muito real para ser um implante. Uma memória envolvendo um cavalinho de madeira. O vazio da vida de K começa a ganhar um ar de novidade e ele passa também a querer transgredir um pouco as leis. Inclusive do ponto de vista dos relacionamentos, já que sua esposa (ou o mais próximo disso) é Joi (Ana de Armas), uma inteligência artificial em forma holográfica que diz amá-lo. O fato de ambos não poderem se tocar é no mínimo perturbador.

Aliás, umas das coisas mais bonitas de BLADE RUNNER 2049 é o quanto choram os androides. Todos eles choram. Muito. Seja por amor, aflição, seja por ódio ou indignação, eles se mostram mais humanos do que os humanos. Assim, Joi sente (ou acredita sentir) de fato um amor muito grande por K, e acredita que o seu amado é alguém mais especial do que imagina ser.

Inclusive, uma das cenas mais belas e empolgantes é uma espécie de ménage à trois envolvendo os dois amantes e uma terceira pessoa. É o tipo de cena que provoca uma sensação de arrebatamento, um momento em que o público quase para de respirar para poder ver e sentir junto com aquele casal. É um dos momentos mais bonitos do cinema recente.

Mas há também, como falado no primeiro parágrafo, a história da busca da identidade do protagonista. E, nisso, o encontro com Deckard é de fundamental importância. A primeira aparição do personagem clássico é bem memorável, assim como o embate inicial entre os dois. Mas, assim como acontece com o filme de Scott, Villeneuve prefere continuar dando um ar de mistério a Deckard, mesmo quando algumas perguntas são respondidas.

Denis Villeneuve entra na mitologia de Blade Runner com sua obsessão por histórias familiares. Desde seu longa de estreia, 32 de AGOSTO NA TERRA (1998), que a questão da paternidade é tratada com profundidade e seriedade. Isso seria levado adiante em filmes tão distintos como INCÊNDIOS (2010), O HOMEM DUPLICADO (2013) e A CHEGADA (2016). A intersecção entre esses filmes inclui pessoas que se sentem deslocadas e se veem diante de um elemento-surpresa ou um desafio que as fazem questionar os seus papéis na existência.

Em BLADE RUNNER 2049, a dor e o vazio que K sente pode muito bem ser vista com distanciamento, mas não é muito diferente da dor que um ser humano também sente ao perceber o seu grau de diferença em relação aos seus semelhantes. Pela segunda vez consecutiva, Denis Villeneuve consegue fazer uma ficção científica existencialista com um coração sangrando e muita personalidade.

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