Michel Hazanavicius procurou saber de Jean-Luc Godard se ele havia visto o seu O FORMIDÁVEL (2017), se havia gostado ou desgostado do modo como ele foi caracterizado nesta comédia autobiográfica baseada no livro de uma das ex-esposas do cineasta da Nouvelle Vague, a alemã Anne Wiazemsky. Até onde eu sei, o jovem diretor não recebeu nenhuma resposta de seu "homenageado". Apesar das aspas, podemos dizer que o filme de Hazanavicius consegue ser ao mesmo tempo uma homenagem a Godard, emulando e trazendo à tona momentos importantes daquele recorte da vida e da obra do homem, como também um filme que tira sarro de Godard, aqui vivido por Louis Garrel.
O diretor do oscarizado O ARTISTA (2011) novamente fala sobre cinema e seus bastidores, mas o foco agora é o cinema francês da segunda metade dos anos 1960, quando muita coisa estava mudando no mundo. Em um ano em que tivemos uma comédia que também brinca com os bastidores do cinema francês, como é o caso do divertido ROCK’N ROLL - POR TRÁS DA FAMA, de Guillaume Canet, é bom também receber outro trabalho inteligente e espirituoso. O FORMIDÁVEL talvez exija menos do espectador pouco habituado a ver filmes franceses ou que não esteja a par do trabalho de Godard. É possível se divertir e até aprender um bocado sobre aquele momento tão particular da França.
Foi um momento de revolução para o país, e também de tentativa de revolução para um cinema que já era considerado revolucionário. Mas assim como aconteceu nos cinemas novos de outros países, inclusive o nosso, a década de 1960 foi de inquietação, e Godard estava em um momento tão radical de sua vida que rejeitava até mesmo os seus próprios filmes, colocava-os também na categoria de lixo burguês ou arte ultrapassada. Sua intenção era criar algo totalmente novo na forma e no conteúdo e ainda trazer muito da política que ele abraçava naquele momento, o maoísmo.
Uma das partes mais engraçadas do filme, aliás, é quando Godard fica sabendo que seu filme A CHINESA não foi nada apreciado pelos chineses. Segundo algumas fontes, os revolucionários chineses acharam que o diretor francês não entendeu nada da ideologia de Mao. Outras passagens bem engraçadas são as várias vezes que Godard está presente nas manifestações acirradas de 1968, quando havia briga entre a polícia e os estudantes. Godard, além de perder muitos óculos, sempre se saía mal quando ia para as discussões entre os estudantes comunistas.
Uma das melhores coisas do filme merece ser mencionada como destaque: Stacy Martin, a jovem francesa que encantou o mundo em NINFOMANÍACA, de Lars Von Trier, faz o papel da jovem esposa de Godard, Anne, que atura, com amor e paciência, as bobagens e os arroubos de arrogância daquele homem que se acha melhor do que todos. Com uma mulher tão doce quanto Anne, difícil não pensar no quanto Godard foi vacilão em ter deixado passar alguém tão especial na vida dele. E para acentuar ainda mais essa impressão, o filme a apresenta sem roupa diversas vezes, uma vez lembrando uma cena de O DESPREZO, em que a câmera de Godard passeia pelo corpo nu de Brigitte Bardot.
Quanto a Bérénice Bejo, a esposa de Hazanavicius, a bela e talentosa atriz aparece pouco, em papel de coadjuvante, como uma das amigas de Godard. É um papel pequeno, mas é sempre bom tê-la presente, como um amuleto de sorte, já que Bejo tem feito uma série de trabalhos muito bons.
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