quinta-feira, fevereiro 27, 2020

FOURTEEN

Curioso como alguns filmes parecem ao mesmo tempo atraentes e fugidios. Como se fossem sonhos bons. Ou nem tão bons, já que o tema abordado nem sempre é dos mais felizes. FOURTEEN (2019) representaria esse tipo de filme. E é um filme que fala sobre depressão. O diretor, o cinéfilo e crítico Dan Sallitt, decide contar sua história pelo olhar da amiga da pessoa que sofre com a doença.

Somos apresentados a duas jovens: Mara (Tallie Medel) e Jo (Norma Kuhling). Mara faz o tipo mais comum e parece ter um misto de admiração e inveja da amiga Jo, que faz um tipo sedutor, com uma beleza que remete a modelos. Enquanto Mara costuma ter apenas um namorado, Jo não se importa em brincar quando o assunto é relacionamento.

Mara costuma ajudar bastante a amiga, que está sempre passando por problemas, como nas várias vezes em que é demitida dos empregos. Até que, depois de anos, Mara perde a paciência com Jo. “Você sempre está precisando de alguma coisa; fica difícil”, desabafa a mais sensata das duas. Durante uma das cenas mais longas desse filme que parece uma sucessão de esquetes curtas, a câmera se aproxima de Jo, enquanto ela confidencia seus problemas à amiga, remetendo a algo ocorrido com ela aos quatorze anos de idade. O filme não explicita o que ocorreu, mas é fácil inferir.

No que se refere à estrutura narrativa e à dramaturgia, FOURTEEN lembra alguns trabalhos de Eric Rohmer, autor que, curiosamente, parece estar sendo um dos cineastas mais influentes para a nova geração de cineastas. As cenas são curtas, há muitos diálogos, encontros e reencontros. E há também enormes elipses temporais e uma brincadeira com o olhar do espectador em uma tomada de uma estação de trem.

Mas o que mais importa é o quanto o filme nos coloca igualmente interessados nas vidas das duas protagonistas. A beleza triste do final acentua a delicadeza dessa pequena grande obra.

+ TRÊS FILMES

UMA MULHER ALTA (Dylda)

Acho problemático um filme cuja personagem-título se torne menos interessante que a suposta coadjuvante, a amiga ruiva que retorna da guerra para ver o filho que a amiga loira e alta cuidava. Como a maioria dos filmes russos, este aqui é duro e com pouco espaço para humor. Os momentos de riso trazem personagens com comportamentos estranhos. O sorriso no rosto de Masha é ao mesmo tempo belo e bizarro, já que aparece muitas vezes em ocasiões desconfortáveis. As duas atrizes estrearam com este filme, o segundo longa do realizador de TESNOTA (2017), um filme também um tanto difícil, mas, por ser mais contemporâneo, se aproxima mais de nossos costumes. Destaque mais uma vez para o belo uso das cores fortes (roupas, cores das portas), que se destacam em ambientes um tanto mortos. Prêmio de melhor direção na Mostra Un Certain Regard em Cannes. Direção: Kantemir Balagov. Ano: 2019.

FRANKIE

Só tenho acompanhado a carreira de Ira Sachs desde DEIXE A LUZ ACESA (2012), e tive a impressão de que este novo filme é diferente, não apenas por não abordar de maneira mais direta a homossexualidade, como os três anteriores, mas por ter uma relação mais próxima com o cinema europeu. É sempre um prazer ver a Isabelle Huppert em ação, e ter um elenco tão diverso e tão bom conta pontos demais a seu favor. Adoro uma cena específica de Huppert com Marisa Tomei (emotiva e contida, ao mesmo tempo); gosto demais de todas as vezes que Brendan Gleeson está em cena. Talvez o ponto fraco esteja em alguns personagens, como o casal que está se separando e a filha deles que vai à praia. Embora trate também de perda, não tem a mesma força da trama principal, por assim dizer. Ainda assim, adoro os silêncios e também os dois momentos ao som de piano. Se todo filme mediano fosse assim, eu ficaria mais feliz. Ano: 2019.

1917

Interessante como 1917, quando passa a se centrar em apenas um dos personagens e, com isso, perde o seu aspecto mais afetivo, vai se tornando algo próximo de um jogo, de um videogame, ou coisa assim. Há a missão a ser cumprida e os inúmeros obstáculos. A fotografia é linda e ver em IMAX é um deslumbre, há algumas cenas marcantes, mas à medida que o filme vai chegando ao seu clímax vai perdendo a força, em vez de causar um tipo de emoção gerada pelo cansaço físico e emocional do protagonista. A brincadeira com o uso do plano-sequência único é divertida, e é legal perceber que em alguns momentos deixamos de prestar atenção nesse aspecto, mas às vezes isso parece ser o principal sentido de existir de 1917. O Sam Mendes sensível de POR UMA VIDA MELHOR (2009) junto com o mestre na direção de ação de 007 - OPERAÇÃO SKYFALL (2012) poderiam ter resultado em algo melhor. Ano: 2019.

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