Ao final de cada ano, vemos interessantes listas de melhores filmes de terror. Não é nenhuma surpresa perceber que a maior parte dos títulos presentes nessas listas se encontra inédita nos cinemas brasileiros, ou foi lançado de maneira discreta ou quase invisível em algum serviço de streaming. Enquanto isso, o número de filmes do gênero de baixa qualidade que chegam aos cinemas tem aumentado bastante.
Só neste ano tivemos AMEAÇA PROFUNDA (que é meio sci-fi e meio filme de ação também), A POSSESSÃO DE MARY, OS ÓRFÃOS e, nesta semana, O GRITO (2020), de Nicolas Pesce. Todos esses são filmes recebidos sem entusiasmo pela crítica e pelo público. Não comento coisas mais alternativas como O FAROL e ANTOLOGIA DA CIDADE FANTASMA, pois são filmes que são mais da linha arthouse, exibidos em festivais internacionais e selecionados por distribuidoras independentes que costumam fazer uma curadoria de suas aquisições.
Por que não existem distribuidoras independentes que se preocupam com a qualidade das obras a serem exibidas e ganham um bom nome, em vez de trazerem apenas tranqueiras? Tudo bem que para quem é fã de horror, as tranqueiras também são bem-vindas, mas não precisam exagerar. No caso de O GRITO, temos pelo menos dois motivos para sua chegada: primeiro, a boa popularidade da franquia na primeira metade dos anos 2000; e segundo, o fato de ser distribuído por uma major. O nome de Nicolas Pesce também poderia ser uma boa desculpa, já que seus filmes anteriores, OS OLHOS DA MINHA MÃE (2016) e PIERCING (2018), tiveram algum sucesso entre os fãs do gênero. Não deixa de causar uma curiosidade sua primeira incursão em uma produção de orçamento maior.
O GRITO não é uma refilmagem da produção americana de 2004 estrelada por Sarah Michelle Gellar, mas apresenta uma história diferente, ambientada no mesmo universo e naqueles anos de 2004-2006. É ao mesmo tempo uma sequência e um reboot. É um filme que tem os seus acertos, como a não vulgarização dos sustos, a preferência por uma atmosfera de angústia e desconforto na condução da trama, e uma interessante teia de linhas temporais. Além da linha principal, com a presença de Andrea Riseborough como uma detetive de polícia viúva que se interessa pelo caso e pela casa amaldiçoada, há duas outras linhas temporais: uma em 2004 e outra em 2006.
Outro ponto positivo do filme está na presença de duas atrizes que funcionam muito bem para o gênero horror: Jacki Weaver, que esteve presente em BIRDBOX, de Susanne Bier, e em A FACE DO MAL, de Mac Carter; Lin Shaye, rosto conhecido de quem viu a franquia SOBRENATURAL. Ambas têm um rosto muito expressivo para filmes de casa assombrada.
O mal estar que o novo O GRITO cria é de duas naturezas, sendo que uma delas é louvável, já que o mal gerado pela maldição que parece não ter fim depois que atormenta suas vítimas é um tanto perturbador mesmo. Nisso, o diretor tem os seus méritos. O outro mal estar se mostra presente no andamento tedioso da trama, que, com tantos personagens, alguns até bem interessantes, com o do corretor vivido por John Cho, não consegue fazer o espectador se encantar ou se importar com o filme. Uma pena. Mesmo assim, não é um filme que mereça o desprezo, não.
+ TRÊS FILMES
ELI
Um dos méritos deste filme é seguir por um caminho que a gente jamais imaginaria que fosse seguir. Ao mesmo tempo, parece tudo muito forçado. Uma pena, já que o começo do filme é bem instigante e o foco no drama do garoto que tem fortes problemas alérgicos às voltas com uma casa/hospital estranho é bem interessante. O diretor é o mesmo do subestimado A ENTIDADE 2, um desses filmes que eu lembro de ter adorado ver na época, mas que ninguém nunca deu bola. Direção: Ciarán Foy. Ano: 2018.
ANTOLOGIA DA CIDADE FANTASMA (Répertoire des Villes Disparues)
Eis um filme que custou muito a me ganhar. Em certo momento, lembra um pouco LES REVENANTS, a série francesa. Mas o tom aqui é mais de mistério e terror, ainda que o medo esteja mais presente nos personagens e suas reações do que na atmosfera pretendida. Certamente, há metáforas que não percebi, mas, é o que sempre digo: filme de gênero, por mais arthouse que seja, precisa conquistar o espectador primeiro na forma e na narrativa, para depois ganhar no que ele apresenta abaixo da superfície. Na trama, uma cidade tem sua rotina mudada depois de um acidente (?) de carro que ocasionou a morte de um jovem de 21 anos. Direção: Denis Côté. Ano: 2019.
SEM SEU SANGUE
Vejo como um dos principais acertos do filme, por mais que eu não tenha embarcado na viagem, é o fato de ele ir se transformando aos poucos. Ou pelo menos não entrega sua proposta na primeira metade. Há desde o início uma relação forte com o mar, coisa que se potencializará em sua conclusão, mas a princípio o que vemos é uma história de amor que se transforma em uma história de luto, que depois se transforma em algo totalmente inesperado. Nem sempre vejo como acertadas as escolhas e, como filme com simbolismos, até pode ser bastante rico, mas parece faltar mais força na construção da atmosfera. Ainda assim, é um filme que merece ser visto quando entrar em cartaz. Direção: Alice Furtado. Ano: 2019.
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