Estava procurando nos meus caderninhos de anotações dos filmes que via no cinema (infelizmente só passei a fazer essas anotações a partir de 1998), e fiquei curioso quando vi que só assisti MENTIRAS (1999) em janeiro de 2002, no então chamado Espaço Unibanco Dragão do Mar. Foi um impacto e tanto pra mim ver este filme. E esse impacto - e o modo como mexeu com algumas fantasias s&m que eu tinha e não sabia disso - ficou mais forte do que a própria lembrança da história. Claro que me lembrava de algumas coisas, como uma cena de sexo anal e principalmente das porradas na bunda com paus e gravetos, tanto na moça quanto no homem, mas quase vinte anos fazem muita diferença na memória de uma pessoa.
O que faz o trabalho de Sun-Woo Jang fugir da vulgaridade, mesmo se aproximando tanto de um filme pornô em alguns momentos, é sua sensibilidade em mostrar a evolução da relação um tanto doentia entre a garota de 18 anos Y (Tae Yon Kim) e o homem de mais de 40 J (Sang Hyun Lee). Na trama, ela é uma garota que, para não seguir o exemplo das duas irmãs mais velhas, que começaram sua vida sexual sendo estupradas, ela decide perder a virgindade com esse homem mais velho com quem ela tem se comunicado a distância.
Para isso, eles marcam de transar em um motel. E toda a expectativa, todo o início de tudo, o encontro, as preliminares, tudo é muito excitante. O misto de frio na barriga com outras sensações menos nobres, por assim dizer, são praticamente inevitáveis. E só por esse início MENTIRAS já valeria a espiada. Acontece que há muito mais a seguir, já que o personagem masculino tem por hábito a vontade de usar métodos de sadomasoquismo para encontrar um prazer maior. Como ele encontra a aceitação fácil da jovem, a relação dos dois passa a ser cada vez mais brutal, ainda que sempre consentida, sendo que inicialmente eles usam ferros, depois gravetos e depois até coisas mais pesadas.
Ele já havia tentado com a esposa, mas ela achava aquilo um absurdo e fugira disso. Como a esposa, uma pintora, passava boa parte do tempo em Paris, para ele era tranquilo encontrar com a jovem Y, que fica cada vez mais apaixonada por ele. Ao mostrar as feridas nos glúteos para a amiga (que fica ao mesmo tempo assustada e enciumada), devido à sessão de chicotadas que deixam marcas fortes, inclusive na coxas e na panturrilha, ela diz que gosta de tudo que o J faz.
O filme chega a um estágio em que o sujeito larga a vida profissional para ficar com a garota, vivendo apenas de sexo e porrada, procurando gravetos no chão como se fossem viciados em crack, enquanto pedem dinheiro emprestado para conseguirem lugar para morar e se alimentar.
MENTIRAS também não trata de culpar um ou outro pelo comportamento ou de apresentar aquilo como um traço horrível. Isso vai de acordo com a visão do espectador. O que podemos ver é também uma relação de afeto forte que se cria entre o casal de amantes. As últimas cenas, por exemplo, são de cortar o coração.
O interessante é que este foi o primeiro filme sul-coreano que eu vi. Mal sabia eu que poucos anos depois as produções do país virariam febre, a ponto de ter um filme ganhando melhor estatueta em festa do Oscar. Também não sabia o quanto os sul-coreanos são bons em lidar com o sexo. Anos depois eu assistiria o excelente e altamente excitante A CRIADA, de Chan-wook Park, e conheceria o maravilhoso Hong Sang-soo, que também usaria do sexo em seus primeiros trabalhos. Foi muito bom poder rever MENTIRAS e ver que continua cheio de força e uma capacidade enorme de excitar, por mais que também possa trazer sentimentos de angústia ou outro tipo de desconforto.
+ TRÊS FILMES
O ÚLTIMO AMOR DE CASANOVA (Dernier Amour)
Acho até fácil se apaixonar pela Stacy Martin. Comprei as cenas dela tentando se fazer de difícil para o Casanova, criando uma carga de tensão sexual muito interessante, a ponto de um beijo já ser uma conquista e tanto. Isso, levando em consideração que o personagem masculino já havia visto a moça prestando serviços sexuais por dinheiro. Pena que o filme a certa altura perde um bocado do rumo, embora possamos dizer que isso talvez simbolize um pouco o sentimento do protagonista. De todo modo, dos filmes de Benoît Jacquot, ainda fico com ADEUS, MINHA RAINHA (2012) e com 3 CORAÇÕES (2014). Ano: 2019.
O CONTO (The Tale)
Falta pouco para ser um grande filme. A história em si é impressionante e chocante, além de também ser bem inventiva no modo como ela é descortinada, até sabermos detalhes sobre o abuso sexual sofrido pela própria diretora em sua infância. O interessante do filme é como ele coloca a questão de maneira bem complexa. A garotinha que faz a Dern novinha é ótima. Direção: Jennifer Fox. Ano: 2018.
DESOBEDIÊNCIA (Disobedience)
Gostei demais dessa experiência de Sebastián Lelio no cinema de língua inglesa. Ainda mais com a força das duas Rachels: Weisz e McAdams. Muito fodas essas meninas. Faltou algo na parte do rabino. Eu não senti a dor dele. E talvez isso seja uma falha, não sei.. Mas me envolvi muito com o romance proibido das duas mulheres. E que linda que é a cena de sexo, hein. As cenas litúrgicas (dá pra chamar assim?) também são belas. Ano: 2017.
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