segunda-feira, julho 20, 2015

3 CORAÇÕES (3 Coeurs)



Mas que filme mais estranho esse 3 CORAÇÕES (2014), hein?! Talvez seja por isso que ele mereça ser visto, pois é um falso melodrama com influências de ANTES DO AMANHECER, de Richard Linklater, e TARDE DEMAIS PARA ESQUECER, de Leo McCarey, mas que aos poucos vai revelando sua verdadeira face, quando muda de registro, sem comprometer o resultado. Ao contrário, o que parecia ser uma obra desagradável e digna de desprezo, vai nos conquistando cada vez mais.

O que não quer dizer que seja uma obra bem-acabada. O encontro de Marc (Benoît Poelvoorde) e Sylvie (Charlotte Gainsbourg) não chega a encantar a audiência, como um encontro entre dois estranhos em um filme romântico seria capaz. Talvez porque ambos parecem muito estranhos e feios. Charlotte está de cara limpa, aparentemente sem maquiagem o filme inteiro; Poelvoorde é feio feito um ogro, com aquele nariz de Galvão Bueno, barriga de cerveja e cabelo ruivo ralo.

Tudo isso pode parecer feito de propósito por Benoît Jacquot, diretor de ADEUS, MINHA RAINHA (2013) e O DIÁRIO DE UMA CAMAREIRA (2015), mas soube que a atriz que interpretaria Sylvie inicialmente seria a musa Marion Cotillard, que certamente precisaria de boas doses de maquiagem para ficar feia.

Escolher um cara como Poelvoorde como pivô de um triângulo amoroso capaz de despertar grandes paixões nem é exatamente um problema, pois nem sempre são os bonitinhos que conquistam as belas no mundo real. É mais algo de magnetismo pessoal. O problema é que o personagem Marc é um sujeito totalmente desprovido de graça, de autoconfiança, de charme, não conquistando nem mesmo a solidariedade do espectador em seu drama.

Na trama, Marc é um sujeito sem sorte na vida que acabou de perder o último trem para Paris, lugar onde mora e trabalha, como fiscal do imposto de renda. Na noite em que ele fica preso em uma cidadezinha, acaba conhecendo uma solitária Sylvie, que muito gentilmente concede àquele estranho a companhia até o dia amanhecer. Os dois se comprometem em se encontrar em determinado dia em um lugar e hora específico. Ela comparece; ele, além de ficar preso no trabalho, ainda sofre um infarto. Assim, de uma só lapada, Jacquot citou os já mencionados filmes de Linklater e McCarey.

Como os dois são burros o suficiente para não trocarem telefones (nem mesmo nomes, pra completar), acabam não se encontrando mais. Ela segue sua vida, insatisfeita, indo morar nos Estados Unidos com um namorado de que não gosta. Ele conhece por ironia do destino a irmã dela, Sophie (Chiara Mastroianni), que também está em uma situação depressiva e é facilmente capturada pelo abutre Marc, que se aproveita do momento para dar o bote. A bela moça termina o namoro com um rapaz para ficar com Marc.

Não dá para pintar Marc como vilão da história. Ele é apenas um sujeito fraco e covarde que tem a sorte de casar com uma amorosa e dedicada jovem, que, não por acaso, tem uma relação muito próxima com alguém que ele conheceu e gostou muito. E é aí que entra tanto um narrador onisciente em voice-over quanto uma música em tons graves, como que para acentuar uma tragédia iminente.

E é a partir daí que o filme se torna mais interessante e passamos a ignorar ou esquecer um pouco seus defeitos e abraçar sua estranheza. Afinal, a narrativa é fluida, o elenco é bom (tem a Catherine Deneuve como mãe de Sophie e Sylvie) e o que parecia ser um melodrama se transforma em algo parecido com um thriller de suspense. E Jacquot e o outro roteirista sabem muito bem qual a melhor maneira de terminar o seu estranho filme.

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