domingo, julho 26, 2015

ANTES, O VERÃO



Uma série de injustiças fez com que ANTES, O VERÃO (1968) se tornasse uma obra esquecida. A primeira delas veio da fraca repercussão do filme em sua época, já que tratava de questões sentimentais de duas pessoas burguesas, algo que não era muito bem visto pelos cinemanovistas, que valorizavam apenas filmes com questões políticas e sociais, como forma de combater pela arte a repressão da ditadura militar. Fazendo isso, eles acabavam fazendo, também, uma forma de censura.

A segunda veio da iniciativa do próprio diretor Gerson Tavares em queimar os negativos originais, de tão desgostoso que ficou com a sua vida de cineasta. Ele já havia realizado AMOR E DESAMOR (1966) e alguns curtas e resolveu, então, sair de cena. Se já era/é difícil fazer cinema no Brasil, imagine sendo maltratado até pelos colegas de profissão.

Curiosamente, Walter Hugo Khouri, aquele que eu considero o melhor diretor de nossa cinematografia, estava pouco se lixando para o pessoal do Cinema Novo e continuou fazendo seu cinema autoral e lidando sempre com o que ele conhecia: o mundo burguês. Mas é sempre bom lembrar que Khouri tinha uma carreira solidificada desde os tempos da Vera Cruz, nos anos 1950, com uma segurança na direção que fez com que ele atravessasse seis décadas de serviços prestados ao cinema.

Mas se os negativos foram queimados, como ANTES, O VERÃO veio à tona? A restauração foi feita por Rafael de Luna Freire, que teve a curiosidade de saber quem era Gerson Tavares e por que aquele filme estava esquecido nos porões de uma cinemateca, sofrendo degeneração. Com a certeza de que queria restaurar os dois longas de Tavares, uma vez que foi feita a restauração a partir dessa cópia, uma mostra chamada Raros e Esquecidos tratou de apresentar os filmes para a audiência. No meio da audiência estava um velho senhor fragilizado que se apresentou como Gerson Tavares. Ele quis saber como descobriram sua obra.

No pequeno documentário que passa antes de ANTES, O VERÃO, percebem-se as inúmeras vezes em que o depoimento de Tavares é cortado por causa da emoção do cineasta. A idade e o fato de ser finalmente reconhecido mexeram muito com as emoções daquele senhor gentil.

Quanto ao filme, só o fato de trazer um gigante como Jardel Filho, uma estrela como Norma Bengell e um coadjuvante de peso como Paulo Gracindo já era motivo para chamar a atenção. Mas o filme é mais do que o elenco. Embora pareça ter uma narrativa simples, a adaptação do livro de Carlos Heitor Cony se torna também complexa com a montagem, alternando passado e futuro a partir do atropelamento deliberado e misterioso a um homem (Hugo Carvana, outro coadjuvante de peso) na praia, dando um ar de film noir.

O atropelamento trás o personagem de Jardel Filho a um passado recente, em forma de flashbacks. Acompanhamos o momento em que ele decide comprar uma casa de verão em Cabo Frio e levar a esposa e os filhos para passar as férias. É também um momento de crise do casal, e, para completar, o protagonista ainda conhece uma bela loira na região (Gilda Grillo), com quem tem um pequeno caso. Mas, embora as cenas com Gilda sejam boas, é uma cena ao mesmo tempo comovente e erótica, perto do final, que eleva ANTES, O VERÃO ao status de uma pequena joia que merece mesmo ser descoberta.

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