segunda-feira, outubro 21, 2019

GRETA

O longa-metragem de estreia de Armando Praça, GRETA (2019), é baseado na peça Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá, de Fernando Melo, escrita e encenada como comédia. A mudança da comédia para o melodrama foi uma opção do cineasta, que achava que aquela história era muito mais próxima de um drama do que de uma comédia. Aliás, é interessante quando um diretor busca um espaço entre o drama e a comédia para contar suas histórias, como fazia Almodóvar em seus primeiros filmes, que hoje podem ser vistos até como histórias cheias de envolvimento dramático.

No caso de GRETA, não que não haja espaço para o humor – há bastante –, mas é definitivamente uma história sobre dor, sobre busca de sentido para uma vida que está próxima do fim e muita, muita solidão e rejeição. Mesmo sendo um filme com protagonistas homossexuais, certas coisas são universais. Afinal, difícil encontrar quem nunca passou por sentimentos de solidão e rejeição.

Na trama de GRETA, Marco Nanini é Pedro, um enfermeiro septuagenário que procura ajudar sua amiga transexual Daniela (Denise Weinberg), que passa por uma doença terminal e sofre muitas dores. A escalação de uma mulher cis para viver uma mulher trans tem sido bastante questionada, com alguma razão, mas difícil não se emocionar com a performance de Denise cantando “Bate coração”, canção do repertório de Elba Ramalho. A carga dramática que ela empresta à canção e amplifica o sentido da letra é tocante.

Mas o filme está mesmo mais interessado na trajetória de Pedro e sua busca por prazer para aliviar a dor, sua busca por alguém que o ame. Ele é um homem que costuma masturbar alguns pacientes do hospital em que trabalha, tenta marcar encontros e frequenta saunas gay, um espaço favorável para o sexo casual. Há uma cena com um misto de humor e drama bem marcante que se passa nesse espaço. Vale destacar que há cenas em que o sexo aparece bastante pulsante dentro dos leitos de hospital, inclusive.

A vida de Pedro ganha novo sentido quando ele, para encontrar uma vaga para a amiga Daniela no hospital, leva um homem responsável pela morte de outra pessoa, ferido, para sua casa. Com esse homem potencialmente perigoso vivido por Démick Lopes, Pedro cria uma relação de ajuda, desejo e afeto. O homem, a princípio muito reticente em ter relações sexuais com aquele homem idoso, aos poucos começa a se aproximar. Há um diálogo muito bonito e doloroso em que Daniela pergunta a Pedro se ele ainda está tendo um caso com esse homem que cometeu um crime e é procurado pela polícia. “É o único que eu tenho”, Pedro diz, com um misto de alegria e tristeza.

A entrega de Marco Nanini a esse papel é admirável. O grande ator não se incomodou em se entregar também de maneira física nas cenas que envolvem sexo e nudez. Isso contribui para que o filme ganhe ainda mais força na materialização desse universo marginal.

+ TRÊS FILMES

AS FILHAS DO FOGO (Las Hijas del Fuego)

Aqui eu vejo mais o mérito pela coragem da diretora em fazer uma obra que trafega pela pornografia dentro do mainstream do que exatamente por conseguir um grau de erotismo que ultrapasse a provocação e os flertes com o S&M. Gosto do terço inicial do filme e quase nada do terço final. A questão de ser uma obra que quer ser mais política do que erótica acaba pesando um bocado. Essa coisa de querer questionar a objetificação dos corpos e a ditadura da beleza normativa e tal acabou não funcionando pra mim. Mas vai ver é só falta de identificação com a sensibilidade mesmo. Direção: Albertina Carri. Ano: 2018.

EUFORIA

Um dos grandes destaques deste filme de Valeria Golino é a forte presença de cena de Ricardo Scamarcio, mais conhecido do grande público por sua interpretação de Santino, o vilão de JOHN WICK 2. Aqui podemos vê-lo de maneira mais naturalista, como um irmão que esconde do outro que o outro está com câncer em estado terminal. Ele acredita que entretê-lo e trazer alegria para o seu dia a dia será melhor. O fato de o personagem do Scarmacio ser gay e o outro não também rende bons momentos de humor na história. Muito agradável de ver e com alguns momentos bem tocantes. Direção: Valeria Golino. Ano: 2018.

COMER, AMAR E VIVER INTENSAMENTE (Plaire, Aimer et Courir Vite)

Não tenho acompanhado todos os filmes de Christophe Honoré. Só vi os que passaram nos cinemas da cidade. Os três de homenagem à Nouvelle Vague dos anos 2000 e mais o BEM AMADAS. Este é talvez um dos melhores dele. E provavelmente um dos mais pessoais (minha suspeita apenas). O filme parece ter umas gorduras e uma duração maior do que eu gostaria, mas não sei o que tiraria. Ele cresce na memória e seus personagens são fortes e simpáticos o bastante para nos envolvermos com seus dramas. A questão da AIDS no início dos anos 1990 o aproxima bastante de 120 BATIMENTOS POR MINUTO (que prefiro). Ano: 2018.

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