Um dos grandes méritos de O BAR LUVA DOURADA (2019), o novo trabalho de Fatih Akin, é conseguir contar a história de um psicopata levando o espectador para um universo que muito se assemelha a um inferno na Terra, ao mais fundo que um ser humano pode chegar. Não apenas o drama do assassino alemão Fritz Honka (Jonas Dassler, soterrado em uma camada de próteses para compor a figura disforme do personagem), mas também as figuras que frequentam o tal bar que dá título ao filme.
A fotografia do filme, sem muitos filtros embelezadores, ajuda a tornar tudo muito feio. Assim, as mulheres que se prostituem no lugar são senhoras idosas dependentes de álcool que transam por uma ou mais doses. É assim que algumas delas vão parar na casa fétida de Honka. O mau cheiro se deve ao cheiro dos corpos das vítimas em estado de putrefação. Ele, por ser visto como um homem muito feio, é rejeitado por algumas mulheres. Outras não veem isso como um problema.
O filme já começa com uma cena em que Honka tenta se desfazer do corpo de uma delas, cortando em pedaços com um serrote. As imagens não são muito gráficas como em A CASA QUE JACK CONSTRUIU, de Lars von Trier, ou outros filmes mais explícitos, mas o mal estar é constante devido ao caráter grotesco das cenas e principalmente do próprio personagem, que responde com ainda mais violência sempre que se mostra frustrado sexualmente. Importante lembrar que a única personagem que aparece em um registro de beleza de modelo é uma moça loira que Honka encontra e que passa a povoar os seus sonhos.
Diferente do que acontece em um outro filme de serial killer recente, TED BUNDY - A IRRESISTÍVEL FACE DO MAL, de Joe Berlinger, que faz com que o público simpatize com o assassino, o assassino de O BAR LUVA DOURADA é totalmente despido de glamour. É ridicularizado em sua busca por mulheres que não consegue ter, no seu físico corcunda e em seu estrabismo, nas suas tentativas de ter uma ereção com fotos de mulher nua estampadas na parede de sua casa para penetrar, em vão, suas clientes/vítimas, e no modo violento com que trata em especial uma das mulheres que chega em sua casa para trabalhar para ele.
Ainda assim, há um olhar humano do diretor para o próprio Honka e principalmente para os outros personagens, todos eles solitários, desvalidos, alcoólatras, esquecidos pelo resto da humanidade. O Bar Luva Dourada parece uma espécie de oposto ao que se chama de oásis. Mesmo quando o filme muda de tom e Honka arranja um emprego de vigilante, as novas pessoas que se apresentam também são almas muito tristes, embora a ambientação mude positivamente, com uma luz mais clara do ambiente de trabalho.
Fatih Akin havia filmado algumas cenas do passado de Honka, de modo a mostrar os abusos que ele sofreu na infância, mas depois resolveu retirar essas cenas da edição final por achar que isso soasse como uma desculpa para uma pessoa se tornar um assassino serial. Assim o filme não tem essa preocupação em contar uma história do personagem nos moldes tradicionais, mas apenas de um determinado recorte no tempo.
Assim, por mais que saiamos do cinema sem saber direito se gostamos ou não do filme, o importante é que é dessas obras cujas imagens não sairão com muita facilidade de nossa memória.
+ TRÊS FILMES
TED BUNDY - A IRRESISTÍVEL FACE DO MAL (Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile)
Uma surpresa positiva pra mim este filme sobre Ted Bundy, um dos mais famosos serial killers de todos os tempos. Conhecia muito pouco de sua história e aprendi bastante com este filme, que surpreende por até mesmo dar um benefício da dúvida sobre os crimes de Bundy durante praticamente toda sua duração. E por ser tanto um drama de tribunal, quanto um drama sobre a situação triste de uma mulher apaixonada. No caso, a mulher de Bundy, interpretada por Lily Collins. Zac Efron está muito bom como o sujeito bonito e conquistador. O diretor Joe Berlinger é especializado em documentários; fez, inclusive, aquele sobre o Metallica, SOME KIND OF MONSTER. James Hetfield aparece numa cena. O elenco de apoio também é cheio de curiosidades. Ano: 2019.
OBSESSÃO (Greta)
Um filme curioso em muitos aspectos, até pela presença de Isabelle Huppert no papel de uma psicopata. É mais um terror psicológico do que físico e nisso o diretor, um decadente Neil Jordan, se inspira um tanto em PACTO SINISTRO, de Alfred Hitchcock. Mas a semelhança acaba em determinado momento, quando a narrativa segue um outro caminho, mais interessante. Confesso que achei que o filme fosse dar um salto mais positivo, mas ao menos trouxe algo que não esperava apenas daquilo que o trailer apresenta. Ano: 2018.
UTøYA - 22 DE JULHO (Utøya 22. Juli)
O uso de um único plano-sequência com câmera na mão para contar a história de um ataque que pôs fim à vida de dezenas de jovens na ilha de Utøya em 2011 chega a impressionar como recurso técnico. E a atriz principal é ótima e dá pra ficar imaginando o trabalho que deu para montar tudo isso. Há também um filme de Paul Greengrass, que procura abordar o ocorrido de maneira mais convencional. No mais, nunca mais vou ouvir "True Colors" do mesmo jeito. Direção: Erik Poppe. Ano: 2018.
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