Cada novo filme de Quentin Tarantino é um acontecimento que movimenta tanto cinéfilos assíduos quanto esporádicos. Eis o motivo de seus filmes serem tão populares. Claro que a capacidade do cineasta de trazer astros do primeiro escalão também ajuda bastante. Ter Leonardo DiCaprio, Brad Pitt e Margot Robbie no mesmo filme, sem falar em participações muito especiais, como a de Al Pacino, é um chamariz e tanto. Um luxo e tanto. Mas as pessoas vão ao cinema principalmente para ver o novo filme do cineasta, certamente.
Seu novo trabalho, ERA UMA VEZ EM... HOLLYWOOD (2019), é seu melhor filme desde BASTARDOS INGLÓRIOS (2009) e tira um pouco do gosto amargo que ficou com OS OITO ODIADOS (2015). Seja através dos diálogos sem pressa, seja com o modo como Tarantino brinca com o tempo mais uma vez, estendendo-o às vezes para causar suspense, como na cena de Cliff Booth (Brad Pitt) em um cenário rodeado pelos hippies liderados por Charles Manson; seja na sequência final, que nos leva à fatídica noite do dia 9 de agosto de 1969, quando ocorreu a chacina que pôs fim a vida de Sharon Tate; em todos os momentos do filme, Tarantino é dono do tempo e do espaço.
Um espaço que ele recria a partir de um já existente, o da Los Angeles do final dos anos 1960. Lembrando que boa parte de seus filmes se passam em um tempo indeterminado, mas com uma aura de apego ao passado muito intensa. O melhor exemplo disso é o de PULP FICTION - TEMPO DE VIOLÊNCIA (1994). Aqui há um misto de eventos e pessoais reais com criações puramente tarantinescas. Em especial os protagonistas, o ator decadente Rick Dalton, vivido por DiCaprio, e seu dublê, o já mencionado personagem de Pitt.
Há um clima de bromance entre os dois que lembra alguns filmes da Velha Hollywood, como os dirigidos por Howard Hawks, ainda que a amizade dos dois se manifeste da maneira bruta de Tarantino. Cada pessoa oferece o afeto da sua maneira. Mas isso não quer dizer que não se veja amor no filme. Há bastante. Especialmente amor pelo cinema. Seja o cinema de Hollywood, seja o cinema feito na Itália para exportação, por mais que o personagem de DiCaprio ache que está chegando ao fundo do poço por não conseguir espaço melhor nos Estados Unidos e encontrar um caminho aberto no cinema italiano de gênero, para ele considerado muito inferior. Engraçada a cena em que o personagem de Al Pacino lhe explica que Sergio Corbucci é o segundo melhor diretor de western spaghetti do mundo.
Quanto à já famosa violência tarantinesca, seja por causa da pressão dos novos tempos, seja por maturidade mesmo, o novo filme do cineasta é o que menos busca uma violência gráfica, dentre todos os seus trabalhos. Aqui o que mais conta é a beleza do ir e vir dos carros, as ruas movimentadas com centenas de cinemas de rua, tudo muito lindo de ver com a exuberante fotografia de Robert Richardson, colaborador de Tarantino desde KILL BILL – VOLUME 1 (2003).
Falando em beleza, que acerto a escolha de Margot Robbie para viver Sharon Tate, hein! Linda demais a cena dela no cinema, satisfeita com a ótima recepção do filme em que trabalha por parte do público. Há quem ache que sua presença em cena é muito pequena, quase não lhe é dado texto, mas isso acaba tornando-a próxima de uma deusa, justamente por isso. E sua personagem é tão cheia de graça que é difícil não se encantar com seu sorriso, com sua alegria de passear pelas ruas e de dançar. Como se Tarantino quisesse nos mostrar o quanto a morte de uma mulher como essa é abominável.
Por isso a polêmica e incrível aposta do cineasta pela sua conclusão é tão bem-vinda. No mais, há também um elogio à inocência e à infância na figura da atriz mirim Julia Butters, a menina que dá uma lição no decadente astro Rick Dalton.
Está havendo uma confusão de percepções sobre a questão hippie. Não há por que acreditar que o diretor tem uma visão negativa dos hippies. Aqueles hippies em especial, os envenenados pelas mensagens de Charles Mason, esses sim representam o mal. E, nesse sentido, Tarantino não se furta de querer mostrar o mal como definitivamente mal, como fez com os nazistas em BASTARDOS INGLÓRIOS. Pode ser uma visão simplista, mas o modo como o diretor lida com isso é de uma beleza que transcende a necessidade de maiores problematizações.
+ TRÊS FILMES
LISA E O DIABO (Lisa e il Diavolo / Lisa and the Devil)
Pelo pouco que eu li de bastidores este parece ser o SOBERBA do Mario Bava, com a vantagem que foi um filme que conseguiu ter a suposta versão do diretor lançada posteriormente, já quando o cineasta faleceu. É uma obra estranha, bem delirante, que me lembrou CARNIVAL OF SOULS. Engraçado isso, já que CARNIVAL havia me lembrado um dos Bavas. Aqui se tem em comum a mulher perambulando perdida, a presença dos mortos que ressurgem, muitas cenas de climão, mas soma-se aí muitas cores na fotografia (bonita mesmo) e um romantismo que eu não esperava, lá pelo final. Romantismo no sentido amplo do termo, digo. Destaque para a participação da Alida Valli. Por mais que, de interpretação mesmo, só dê para destacar a naturalidade do Telly Savalas mesmo. Ano: 1973.
DUAS RAINHAS (Mary Queen of Scots)
Boa estreia de Josie Rourke, diretora mais ligada ao teatro. Ao contrário do que se pensa (inclusive pelo título brasileiro), a grande figura do filme é mesmo Saoirse Ronan. A rainha Elizabeth de Margot Robbie tem um papel importante, mas menor na trama, que tem o seu peso trágico, graças à própria história, aqui contada com muito mais minúcias do que no filme do John Ford. Ano: 2018.
SEVEN - OS SETE CRIMES CAPITAIS (Se7en)
Impulsionado pelo pessoal do Cinema na Varanda fui rever SEVEN, que tinha visto no cinema uma vez e outra em VHS. Mal lembrava do filme em si, só lampejos e do final impactante. Aliás, é engraçado isso: eu geralmente costumo esquecer dos finais dos filmes, menos dos impactantes. Com o tempo virou mesmo um clássico, embora eu ache que falte algo para se tornar excelente, não sei.. Mas é muito bom de ver e a trilha do Howard Shore é uma das mais felizes de sua carreira. Dramática e tensa, especialmente no final. Direção: David Fincher. Ano: 1995.
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