quarta-feira, maio 21, 2014

GETÚLIO



O cinema nacional este ano está indo muito bem, obrigado. Com a carência de filmes que retratem os momentos históricos mais importantes do Brasil, um trabalho como GETÚLIO (2014) é muito bem-vindo. Ter João Jardim no comando, que fez documentários tão bons como JANELA DA ALMA (2001) e PRO DIA NASCER FELIZ (2006), ajuda a imprimir um aspecto realista ao drama do homem que governou durante mais tempo o nosso país e que ficou ainda mais famoso com sua saída trágica "desta vida para entrar na História", conforme consta na carta de suicídio deixada por Vargas.

Assim, trata-se de um filme cujo final já é conhecido. Mas talvez por isso mesmo, e pela opção por um registro de thriller político e policial, que GETÚLIO é um filme tão tenso. Com a preocupação com o realismo por Jardim – e de seu parceiro e diretor de fotografia Walter Carvalho –, a figura de Vargas, representada no filme por Tony Ramos, é muito bem trabalhada, com detalhes, inclusive, da respiração ofegante do Presidente. A direção de fotografia de Carvalho, aliás, é mais uma vez um grande acerto, com os tons de marrom que predominam no ambiente do Palácio do Catete. Inclusive, o próprio Palácio foi usado como locação. E Jardim conta que tentou fazer o máximo possível para que a aura daquele lugar não eclipsasse o seu trabalho de dramaturgia.

No terreno policial, o filme também começa bem movimentado, com a tentativa de assassinato do jornalista Carlos Lacerda (Alexandre Borges), o inimigo número um de Getúlio Vargas, e que acabou vitimando o segurança do jornalista. As investigações apontam para Gregório Fortunato (Thiago Justino), chefe da guarda pessoal do Presidente. E sendo ele seu braço direito, fica fácil acreditar que o mandante do atentado foi Vargas. Quem leu o romance Agosto, de Rubem Fonseca, deve ficar o tempo todo pensando nas várias sequências de violência relacionadas a Fortunato.

Agora, é impressionante o quanto o filme é atual, remetendo a muitos momentos da atualidade: a crise no governa da Dilma, as pressões que ela tem sofrido, as manifestações contra o Governo pelo povo apesar do populismo, os vários indícios de corrupção saindo do alto escalão etc. E como só vemos um velho presidente em seus últimos 19 dias de vida, é muito fácil sentir-se solidarizado com sua situação e sofrer um pouco com seu fim trágico mas honrado. Mais uma vez a arte nos ensina que nem tudo é preto no branco.

Talvez o que possa atrapalhar um pouco a seriedade do filme seja um elemento extra-fílmico: há uma cena em que o Presidente está com um bife na mesa e está sem vontade de comer. Perguntam a ele por que ele não quer comer e ele diz que em São Paulo a carne é melhor. Qualquer semelhança com uma propaganda de carne por aí não é mera coincidência.

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