segunda-feira, abril 05, 2004

ROMA DE FELLINI (Roma)



Federico Fellini sempre foi pra mim um cineasta difícil. Poucas vezes consegui gostar de fato de seus filmes. E até que eu vi vários. Minha experiência com 8 E 1/2 (1963), SATYRICON (1969), I CLOWNS (1971), E LA NAVE VA (1983) e GINGER E FRED (1986) foram dolorosas. O tempo não passava, não conseguia entrar no espírito da coisa. As exceções pra mim foram NOITES DE CABÍRIA (1957), por se aproximar mais do melodrama convencional, e CASANOVA (1976), por causa das cenas de sexo, que evitam que o espectador caia no sono. Por falar em sono, teve o caso de AMARCORD (1973), que gravei da tv e tive de assistir em pedaços porque sempre caía no sono. Era como se as imagens impregnadas de recordação do filme fossem um convite ao sono, já que as memórias e os sonhos são bem parecidos. Eu, como canceriano típico, tendo a valorizá-los bastante.

Por isso fui, ainda que com um pé atrás, assistir esse ROMA DE FELLINI (1972), com medo de, no futuro, me arrepender de ter deixado passar a oportunidade de ver um clássico do cinema, na telona - o filme está com cópia restaurada, imagem muito boa. E, exatamente por estar bem preparado psicologicamente pra ver um Fellini, acabei gostando bastante. Uma prova de que eu estou amadurecendo para ver os seus filmes.

Não há, no filme, uma narrativa no sentido clássico da palavra. Não há personagens principais ou uma estrutura de começo, meio e fim convencional. Engraçado que só com esse filme, que eu fui perceber a semelhança de Fellini com Woody Allen, um dos cineastas que eu mais gosto. Allen, ao contrário do que muita gente pensa, tem como seu cineasta preferido, Fellini, e não Bergman. De Allen, o filme me remeteu imediatamente a MEMÓRIAS (1980) e, principalmente, a A ERA DO RÁDIO (1987).

Pensei em tentar dividir o filme em partes, mas achei uma tarefa complicada. Há a parte da Roma dos anos 30/40, contando sobre a cidade que o jovem Fellini conheceu, a parte documental, mostrando a Roma dos anos 70, cheia de hippies, motos e trânsito maluco. Aliás, uma das partes mais impressionantes do filme é a que mostra as filmagens com uma grua, seguida de um acidente na estrada. Achei muito interessante Fellini ter tido a sorte de filmar aquele acidente. A sensação é a de que estamos nos anos 70, de que fomos jogados no tempo, no meio da chuva e do engarrafamento.

Do mesmo modo, ele trata a Roma de seu tempo como se fosse uma realidade presente, ainda que pintada com as tintas fortes e caricaturais que lhe são típicas. Estão lá as mulheres gordas, os tipos exóticos, as pessoas que falam alto, os palavrões, as partes surrealistas, a gula, as grandes famílias, a brincadeira com a Igreja Católica... Inclusive, a tal cena do desfile de moda de padres e freiras é um sarro, hein. Teve uma moça no cinema que teve uma crise de riso que só vendo.

Outra seqüência muito boa, e que parece um documentário (tenho minhas dúvidas quanto a natureza "acidental" da cena), é a cena em que a equipe de Fellini vai filmar as obras de construção do metrô na parte subterrânea e flagra uma casa cheia de afrescos de cerca de 2.000 anos de idade, escondida embaixo da cidade. Essa cena dá uma idéia de quão grande é a história de Roma.

Pra encerrar, deixo registrado as partes mais engraçadas do filme, que são as cenas no teatro, com um público bem mal-educado, que joga até um gato morto no palco quando não estão gostando do espetáculo. E a gente sente no ar o espírito moleque de Fellini, que deve ter se divertido pra caramba na infância.

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