sábado, outubro 05, 2024

VIAGEM À IRLANDA



Em outras circunstâncias um texto sobre minha viagem à Irlanda já estaria pronto há dias. Mas é difícil fazer isso quando o cansaço impera e há pilhas de demandas para resolver, ao mesmo tempo que há também o trabalho exaustivo de professor do ensino fundamental. Mas foi esse emprego que possibilitou minha inscrição no intercâmbio para essa viagem dos sonhos. Antes havia a possibilidade de uma viagem para os Estados Unidos de 30 dias através da Fulbright e da Capes em julho passado, mas minha pontuação, dois pontinhos acima, no Toefl, me desclassificou. No entanto, o certificado poderia ser aproveitado quando a prefeitura soltasse o edital da Irlanda, algo esperado. Poderia entrar na vaga de fluência em língua inglesa, pensei.

E quero deixar este espaço para agradecimento a minha noiva, Giselle, que esteve comigo, que acompanhou cada passo do processo e que vibrou até mais do que eu quando saiu o resultado final, com minha classificação. A Giselle me ajudou até com a documentação necessária. Um catatau de coisas exigidas na primeira e depois na segunda etapa, quando da classificação. E eu levei a Giselle pra viajar junto comigo, de certa forma. Conversávamos todos os dias à distância, mesmo com o fuso horário de quatro horas atrapalhando um pouco, e apresentava a ela, muitas vezes ao vivo, os lugares incríveis que conheci.

Então, quando cheguei ao último dia do curso, e a professora Fionnuala Tynan nos deu uma atividade inicial de desenhar como estávamos nos sentindo naquele momento, um sentimento de gratidão e de alegria imensos me envolveu. Então desenhei com uma tesoura e massinha de modelar uma carinha sorridente rodeada por pinguinhos amarelos formando um sol. Foi uma aula muito especial, que assisti com um brilho maior nos olhos e depois fiz questão de agradecer pessoalmente à professora por aquela aula incrível e cheia de afeto. Naqueles três últimos dias no país já havíamos provado do tempo habitual de lá, ou seja, com chuva, às vezes com muito vento. E escrevi embaixo do desenho a frase “Here comes da sun”, fazendo referência à canção dos Beatles. Foi quando caiu a ficha sobre o quanto aquele sol cantado por George Harrison é um presente mais do que bem-vindo para as pessoas que moram naqueles lugares (Reino Unido, Irlanda).

Quando chegamos lá, os professores irlandeses, com frequência, diziam que havíamos trazido o sol. E de fato tivemos a sorte de ganhar mais de uma semana e meia de dias com sol no período que lá passamos – fim de verão, início de outono. Aliás, quero deixar registrada aqui minha gratidão ao povo irlandês, que tão bem nos recebeu. Depois de sermos um pouco recebidos com patadas pelos portugueses durante a passagem por Lisboa, percebemos o quanto é raro termos uma nação que, apesar das diferenças culturais, nos abraça com tanto carinho.

O objetivo principal da viagem era conhecer o sistema educacional da Irlanda, tido como um dos mais bem-sucedidos do mundo, e fazermos comparações e talvez adaptações e trocas, a partir também de visitas às escolas. Era proibido tirar fotos das crianças das escolas, e por isso quase não há fotos nesses espaços, mas as visitas ficarão guardadas com carinho na lembrança. Gostei especialmente de uma escola pequena, a St. Michael’s National School, que juntava dois anos numa só sala, e cuja diretora escolheu três alunos para nos apresentarem às instalações. Nesse momento, tive que ser um dos intérpretes de um dos três grupos, uma tarefa que achei empolgante e divertida.



Éramos 25 selecionados para o intercâmbio, mais dois coordenadores, a Thaís e o Glauber. É natural que dentro dessas 27 pessoas, alguns grupos encontrem mais afinidade entre si. Durante os dias, costumava sair mais com meus roomates, o Leonardo e o Messias, e com as professoras Thaís, Jose, Rochelly (que eu sempre chamava de “Rochelle, Rochelle”, em referência a um episódio clássico de SEINFELD), a Lidiane e a Rosângela. As paradas finais geralmente eram nos pubs da cidade, mas como não bebo, a não ser uma cerveja sem álcool (achei os chopes zero de lá deliciosos), acabava não ficando tanto tempo assim com a turma.

Nas minhas escapulidas noturnas, inclusive, fui ao cinema três vezes (queria ter ido mais, claro), para ver três filmes de terror, NÃO FALE O MAL (a versão nova, em língua inglesa), STRANGE DARLING e A SUBSTÂNCIA. Gostava dessas escapulidas, que também eram uma forma de eu ter contato com a língua inglesa sem intérprete ou legendas, ainda que fosse apenas falando brevemente com os motoristas de Uber, os atendentes do cinema, ou escutando a conversa de pessoas na sala escura. Achei interessante no dia que fui parar numa lojinha de artigos indianos e encontrei um homem migrante que falou para mim dos benefícios do cravo – ele comprava um pacote e dizia o quanto aquilo era bom para a vitalidade, especialmente para a potência do homem. Logo mais, quando chamo o Uber, é este mesmo homem o motorista, e continuamos a conversa sobre alimentos com forte potencial afrodisíaco – lembrei a ele da canela e do gengibre, que meu saudoso amigo Santiago havia me ensinado.



As aulas, em sua maioria, aconteceram no Mary Immaculate College, e eu já estava me acostumando e gostando muito da rotina de acordar, comer aquele Irish breakfast caprichado, com direito a um feijão levemente adocicado (uma delícia), nos encontrarmos no saguão do hotel para ouvirmos a Thaís e depois seguirmos a pé, agasalhados para a universidade. Várias aulas tratavam de educação especial, com bastante atenção para crianças autistas, e tivemos aulas sobre os direitos das crianças, seu desenvolvimento cognitivo, o bem-estar na escola, a tecnologia na educação, a experiência de dois professores brasileiros na Irlanda, o gaélico irlandês (língua original) e a forte influência da Igreja Católica na educação irlandesa. A questão da inclusão causou alguma polêmica, pois na Irlanda, há escolas exclusivas para alunos especiais. Inclusive, conhecemos uma delas.

Como nem só de sala de aula se faz cultura, a programação também incluiu passeios a castelos de Limerick e de outra cidade próxima (acho que me esqueci de dizer que foi em Limerick onde ficamos, e infelizmente não deu tempo de incluir Dublin no passeio, pela distância e pelos horários dos transportes) e a igrejas muito antigas. Uma delas, aliás, a St. Mary’s Cathedral, é o prédio mais antigo de Limerick e tem um curioso registro da época em que as pessoas leprosas, não podendo entrar na igreja, assistiam à missa por um buraquinho. A senhora que nos apresentou à igreja contou do tempo em que o prédio foi fundado, em 1168, do ataque sofrido pelo exército de John Crowell, dos vários vitrais substituídos nos séculos XIX e XX etc. É a catedral mais bela que já vi na vida. Ah, e lá também acontecem espetáculos musicais e sinfonias.

Entre os outros lugares visitados por nós, destaque para os Cliffs of Moher, uma das principais atrações turísticas da Irlanda, e um dos lugares mais belos, com falésias verdes à beira do oceano. Alguns filmes contaram com os Cliffs como locação, como HARRY POTTER E O ENIGMA DO PRÍNCIPE, A PRINCESA PROMETIDA, A FILHA DE RYAN e OS CANHÕES DE NAVARONE. O outro local lindíssimo que conhecemos foi a cidade costeira de Dingle e sua península. É mais um lugar de encher os olhos e é uma cidade que sabe se beneficiar da localização para lucrar com muitas lojinhas de souvenirs. A praia é linda, mas não vemos ninguém tomando banho nela. Até porque, com aquele frio, é complicado mesmo. Ah, e numa sexta-feira, fizemos um passeio de barco adorável numa localidade chamada Killaloe.

Uma experiência que merece um parágrafo à parte é a noite do banquete medieval no Castelo de Bunratty. Estava na programação e era algo bastante aguardado. Antes do jantar, pudemos conhecer um pouco o vilarejo que é mantido para visitação, como uma espécie de museu dos tempos passados, da época medieval, com casinhas com cheiro da fumaça que não vai embora totalmente pelas chaminés. Um local adorável e apesar da leve chuva foi muito bom caminhar por lá. Na hora de sermos recebidos para o jantar, vimos que se tratava também de uma experiência ao mesmo tempo imersiva e teatral, com um grupo de artistas que atuava, cantava, fazia piadas e ainda servia as mesas. Tivemos pão com sal, uma bebida que não reconheci, sopa de carne, costelinha de porco e frango cozido, além de uma sobremesa e café no final. Tudo muito bom em duas horas que passaram voando e provocaram muitas risadas. Inclusive, dois dos nossos colegas foram escolhidos rei e rainha pelo ator vestido em trajes característicos da época, o Tércio e a Marília. Uma excelente noite.



Enfim, foram 15 dias de vivência feliz. E até pude conhecer um pouco de Lisboa, no intervalo para o voo para Dublin. Saí com Janne e Darliane para andar pelo Centro Histórico de Lisboa. Lugar lindo demais. E depois de um excelente almoço, pude experimentar na rua o pastel de nata. As visitas aos pubs são casos à parte, pois cada lugar tem sua cara própria, alguns mais escuros, outros mais familiares, alguns servindo comida, outros apenas bebidas. Também vale destacar o fato de que ficamos numa cidade pequena e que isso contribuiu para que andássemos muito a pé e fôssemos conhecendo aos poucos outros locais, outras lojas. Conheci poucas livrarias, mas comprei numa delas Film Noir, o livro da Taschen que traz a Peggy Cummins (MORTALMENTE PERIGOSA) na capa, e noutra, comprei a edição de outubro da Sight & Sound, com Francis Ford Coppola na capa e que conta com uma entrevista deliciosa de Martin Scorsese, papeando com Edgar Wright sobre o cinema britânico, a partir de uma lista de 50 importantes títulos, feita pelo próprio Scorsese.

Se eu ficar buscando mais lembranças, muitas virão. Deixei algumas fotos no meu Instagram pessoal, em que registrei quase todos os dias. Anotei várias coisas das aulas para aplicar na escola e em seguida elaborar um projeto. E guardarei com muito carinho a companhia dos colegas que lá conheci. Das brincadeiras descontraídas (a história da cama de casal do hotel rendeu bastante), das piadas de tiozão que eu às vezes trazia, da ótima recepção de brasileiros que moram lá, como o Giovanni, a Lívia e a Ketlin, do acompanhamento atencioso da Germânia, da atenção da turma como um todo, que cuidava um do outro. Muita gratidão a todos os envolvidos e muito feliz de ter experienciado, visto, sentido na pele (gosto tanto do vento frio quanto do sol) e provado nesses dias. Tenho certeza que se cada um parar para contar, como eu fiz agora, sua experiência nessa viagem teremos visões complementares, mas todas de contentamento de cada momento passado no país de James Joyce, W.B. Yeats, Oscar Wilde, U2, The Cranberries, Damien Rice, Saoirse Ronan etc.

E, no final, a alegria de ser recebido pela Giselle no aeroporto, com um balão gigante escrito “Eu te amo”, isso não tem preço, minha gente. É muita alegria para um coração só.



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