sábado, outubro 26, 2024

SUPER/MAN – A HISTÓRIA DE CHRISTOPHER REEVE (Super/Man – The Christopher Reeve Story)



“You’re still you, and I love you”, disse Dana Morosini, a esposa de Christopher Reeve, quando o ator acordou do coma, tetraplégico, após o acidente que quase tirou sua vida. Os momentos mais emocionantes, para mim, de SUPER/MAN – A HISTÓRIA DE CHRISTOPHER REEVE (2024) são os que apresentam também o drama dessa mulher, e de seu amor por aquele homem que fora esportista e mais conhecido por seu papel em SUPERMAN – O FILME (1978) e suas continuações. A história de Reeve passaria a ser dividida entre antes e depois do acidente, já que os nove anos seguintes, até sua morte em 2004, foram de frustração, luta, militância e talvez até de aceitação da condição em que se encontrava, já que pelo menos ele podia ver os filhos crescendo e lutar por condições melhores para pessoas paralisadas como ele e invisibilizadas na sociedade.

O documentário sobre a vida de Christopher Reeve pode até ter um formato bastante tradicional, mas tem momentos que pegam tanto a gente pelas emoções, que é difícil não vê-lo como muito especial. E o filme não chega a ser apelativo, focando por demais na tragédia do ator, uma vez que aquilo que é relatado é parte do que aconteceu de fato. Tanto que a gente até percebe que as idas e vindas no tempo ajudam a tornar o filme menos pesado. Ora estamos vendo Reeve lutando na sua nova condição de homem tetraplégico, ora o foco continua a ser sua história como ator de cinema nos anos 70/80/90, que não chegou a engrenar muito, a não ser quando ele encarnava o mais icônico super-herói da DC, o que não deixa de ser algo de certa forma dramático na vida de um ator.

Há quem lembre de seu papel em ARMADILHA MORTAL (1982), por ter um grande cineasta atrás das câmeras, Sidney Lumet, e também do drama romântico EM ALGUM LUGAR DO PASSADO (1980), de Jeannot Szwarc. Também costumam lembrar de um filme que foi lançado seis dias antes do acidente de Reeve, em que ele, coincidentemente, interpreta um policial que fica paralisado depois de um tiro. O filme se chama SEM SUSPEITA (1995), de Steven Schachter, e é hoje pouco lembrado, a não ser por essa curiosidade sinistra. E é algo lamentável, já que Reeve, já em SUPERMAN, se mostrava um excelente ator, uma vez que interpretava praticamente duas pessoas de personalidades distintas, saindo de uma e entrando na outra em segundos, apenas tirando ou colocando os óculos.

Vendo o documentário, percebi que havia quase me esquecido do momento que ele foi aplaudido de pé na festa do Oscar, em 1996, doze meses após o acidente. Foi de fato um momento de arrepiar. E vendo no filme, sabendo dos bastidores, e sabendo de sua amizade com Robin Williams e toda a logística para possibilitar sua aparição na festa, esse momento passa a ganhar ainda mais significado. Aliás, as aparições de Robin Williams no filme sempre me trazem um misto de alegria e tristeza. Ele, um homem que escondia sua condição de depressivo com a figura de uma pessoa sempre brincalhona e que estava presente para fazer as pessoas rirem, é alguém que ficou completamente devastado com a partida do amigo, como dá para perceber claramente em seu discurso no velório de Reeve.

E o que é o momento em que o filho caçula lê um texto escrito por sua mãe, a esposa de Reeve? É como se o filme, naquele instante, nos convidasse a também olhar para o drama daquela mulher, tirando o foco da ironia de se ter um super-homem quebrado e totalmente dependente da ajuda dos outros. O discurso de Dana no funeral do marido é também de nos deixar desidratados. Depois de Reeve, ela passa a ser a personagem mais importante do filme, representando o grande amor da vida do ator.

Ainda que seja um filme que não se perde tanto se visto na telinha, ter a chance de ver SUPER/MAN – A HISTÓRIA DE CHRISTOPHER REEVE no cinema é uma bênção: a telona intensifica tanto nossa atenção quanto nossas emoções. Além do mais, diante do aprendizado que foi a vida de Reeve em seus últimos nove anos na Terra, podemos dizer que esse momento sofrido valeu a pena. Sua vida passou a ser como uma espécie de Jó do mundo contemporâneo: quando poderia estar amaldiçoando a própria existência, ele fez de sua condição um combustível para um outro tipo de luta, uma luta que faria a diferença na vida de outras pessoas tetraplégicas nos Estados Unidos e em outros países. Além da criação da Fundação Christopher Reeve, ele cofundou o Centro de Pesquisa Reeve-Irvine, com foco no estudo do reparo neural, regeneração e recuperação da função após lesão da medula espinhal. No fim, o documentário dirigido por Ian Bonhôte e Peter Ettedgui é sobre a restauração da fé de um homem, e do quanto essa fé pode ser materializada em atos. No fim, Superman partiu deste mundo quase como um santo, quase como o Jesus Cristo pop que caracterizou no uniforme azul e vermelho.

+ TRÊS FILMES

ORLANDO, MINHA BIOGRAFIA POLÍTICA (Orlando, Ma Biographie Politique)

Não tinha lido ou sequer ouvido falar em Paul B. Preciado antes do lançamento deste filme nos cinemas. Trata-se de um escritor transgênero que se destaca como um dos grandes pensadores da teoria queer e da pornografia dos dias de hoje. Fiquei até interessado nos escritos dele. ORLANDO, MINHA BIOGRAFIA POLÍTICA (2023), seu filme de estreia, utiliza sua leitura e seu interesse pelo livro de Virginia Woolf para apresentar a si e a dezenas de pessoas trans no mundo que participam deste documentário bem diferente, já que tanto enfatiza os dramas e as alegrias dos atores, quanto também aproveita para costurar seus pensamentos, indo desde a questão do uso dos hormônios sintéticos até chegar à mudança de nome nos documentos de identidade. Gosto da inclusão de imagens de arquivo das primeiras pessoas trans do século XX, embora tenha me parecido a princípio pouco coerente com o estilo adotado pelo filme, sempre com uma pessoa convidada se apresentando como Orlando e falando de si. Ter essas imagens de arquivo ajuda a quebrar essa repetição da forma, que começa muito interessante, mas depois a repetição vai cansando um pouco.

TODA NOITE ESTAREI LÁ

E se um filme contasse a história de uma mulher transexual que é impedida de professar sua fé e essa fé fosse numa igreja evangélica? Essa é a história de TODA NOITE ESTAREI LÁ (2023), de Suellen Vasconcelos e Tati Franklin. Gosto de como a própria Mel Rosário dá uma ideia que faz com que sua história ganhe ainda mais força. Afinal, ficar focado apenas na história dela com os cartazes em frente à igreja e em seus protestos podia correr o risco de se repetir e se esvaziar. Temos um contato maior com a família da personagem, sabemos de suas dificuldades financeiras e testemunhamos sua força para enfrentar os obstáculos num país governado por Bolsonaro. Esse entorno faz com que a linha principal do filme se torne mais rica. Muita coisa que acontece não acontece na frente das câmeras, até pela impossibilidade de filmar as discussões entre os advogados do pastor e os advogados de Mel ou de se entrar com câmeras dentro da igreja. De certa forma, isso é um ponto a favor de Mel Rosário, que se torna ainda mais protagonista dessa história.

MARIAS

Não dá para prever o resultado de um filme. Se for um documentário que dependerá da ação de terceiros, a produção está ainda mais nas mãos do acaso. MARIAS (2024), de Ludmila Curi, começa estranho, como uma espécie de road movie em que a diretora sai em busca de Maria Prestes, a viúva de Luís Carlos Prestes. É claramente um filme de entusiastas dos movimentos de esquerda e do partido comunista, da história que foi contada no século XX e prosseguiu com os movimentos trabalhistas no novo século: Mas MARIAS se tornou o filme de uma mulher ausente, de alguém que se negou a aparecer em imagem e som, e com isso vai perdendo seu sentido. O próprio objeto de estudo principal do filme se torna um enigma. Daí se transforma num filme de várias Marias, começando com Maria Bonita, passando por Dilma Roussef e também por Marielle Franco. E, pra mim, é quando o filme passa por Marielle, e são poucos minutos com a vereadora que fez história falando com gravações caseiras num encontro com amigos, que eu fiquei sentindo falta de mais. Percebi o quanto essa mulher tinha uma força e um carisma tão grandes que, até por ser negra, chamou ainda mais a atenção dos criminosos que a executaram. Então, o que temos é uma colcha de retalhos com imagens de arquivo muito boas, inclusive as cenas na Rússia, mas que no todo parece não ter conseguido o sucesso merecido. Mesmo assim, fico feliz que tenha vindo ao mundo e agora possa ser visto.

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