quinta-feira, outubro 12, 2023
GUERRA SEM CORTES (Redacted)
Quase duas semanas sem postar neste espaço. Isso me dá uma aflição, que vocês nem imaginam. Gosto de poder publicar, mesmo quando o texto não fica tão bom. Pelo menos eu tive uma boa desculpa no fim de semana passado, já que viajei com a Giselle para Salvador. Uma viagem rápida, mas muito proveitosa e adorável, saindo da rotina ao adentrar uma cultura tão distinta e bela quanto a baiana. Mas vamos de cinema, vamos de Brian De Palma, que essa peregrinação por sua obra está mais longa e preguiçosa do que eu imaginava que seria. Acredito que tudo começou a piorar quando adentrei os anos 2000, quando o cineasta entrou num momento pouco inspirado de sua carreira tão brilhante.
GUERRA SEM CORTES (2007) foi um filme que não foi exibido nos cinemas locais, assim como aconteceu com os outros dois seguintes do realizador. Isso não significa falta de qualidade, não tem nada a ver, mas significa que é algo que diminui as chances de suas obras serem apreciadas e criticadas por uma parcela maior da audiência. Eu já não gostei muito do filme quando o vi na primeira vez (tem texto aqui no blog) e continuo não gostando tanto. Mas é um filme que é bem mais querido pela crítica brasileira do que o anterior, DÁLIA NEGRA (2006), e talvez até mais que MISSÃO: MARTE (2000) e FEMME FATALE (2002) também. Talvez por ser complexo no modo como traz um tom entre o leve e o perturbador diante do que apresenta sobre a Guerra do Iraque.
E é possível encontrar vários caminhos para defender o filme, já que o diretor problematiza a imagem e não deixa de ser fiel a suas próprias obsessões, e ainda teve a coragem de sair do seu lugar esperado de autor de planos elegantes e sincrônicos, de travellings e cortes bem pensados, e geralmente com música quase operística composta por algum grande maestro (Pino Donaggio, Ennio Morricone, Ryuichi Sakamoto, Bernard Herrmann etc). Em GUERRA SEM CORTES, o que vemos são imagens feias, brutas, com aspecto amador, que, claro, tem tudo a ver com a proposta de imagens geradas por não-profissionais.
De Palma volta ao tema do estupro na guerra, bem-sucedido em PECADOS DE GUERRA (1989), mas aqui aproveitando a moda dos found footage movies, que àquela altura já havia cansado um bocado. Em ambos os filmes, as tropas matam uma garota numa tentativa de acobertar o crime anterior. Vejo como um problema o filme não me deixar minimamente interessado pelos personagens, nem os tornar críveis como criaturas supostamente reais. Costuma-se reclamar de 15H17 – TREM PARA PARIS, de Clint Eastwood, e das atuações dos não-atores, mas o velho Clint se saiu muito melhor com seu elenco amador e sua experimentação com sabor de novidade (comparar os dois filmes pode não ser tão inteligente, mas por alguma razão vejo esses dois trabalhos como semelhantes dentro das filmografias de seus realizadores). Não é isso que eu vejo em GUERRA SEM CORTES, por mais que, sendo De Palma, eu comece a relevar e repensar algumas coisas à medida que vou lendo e escrevendo a respeito. Não há como negar isso dos grandes mestres.
Há uma cena que vale destacar: um dos rapazes da companhia, McCoy, encontra-se com seus amigos como um herói amargurado e cheio de traumas de guerra, mas sua tentativa de falar sobre o horror do que viu é vista como uma ação que quebraria o clima de festa e é logo censurada. A fotografia tirada dele sorrindo por encontrar seus amigos é uma evidência da mentira de um documento, da mentira da imagem, algo que parece contrário ao que estamos acostumados a ver na obra do realizador, quando os registros de sons e imagens constituem verdades, como é o caso de UM TIRO NA NOITE (1981) ou de sua própria experiência de vida, quando tirou fotos do pai traindo a mãe em seu consultório médico. Desse modo, funciona também como uma crítica às imagens criadas pelo governo americano para vender a narrativa da invasão ao Iraque por causa das tais armas de destruição em massa. Mas o filme é pessimista quando vemos a pessoa disposta a contar toda a verdade para seus superiores e essa verdade não é aceita, é inconveniente demais.
Diferentemente de PECADOS DE GUERRA, que foi baseado em fatos reais inspirados num artigo publicado na New Yorker em 1969, mas apenas transformados em filme 30 anos depois, GUERRA SEM CORTES foi lançado enquanto a Guerra do Iraque ainda estava “quente” (a guerra durou de 2003 a 2011) e com o intuito de combater as mentiras impostas pelo governo americano. Mentiras que não duraram muito, em tempos de redes sociais. Tanto que quando Paul Greengrass lançou ZONA VERDE em 2010 todas as questões em torno das mentiras das armas de destruição em massa pareciam óbvias e até desinteressantes.
Para um filme de custo tão barato, para os padrões das produções do realizador, apenas 5 milhões de dólares, é de pensar que GUERRA SEM CORTES não obteve prejuízo. Errado: o filme arrecadou nos Estados Unidos apenas U$ 65.000 e no mundo todo apenas U$ 780.000. Ou seja, a tradição do fracasso de bilheteria, comum em grande parte de suas obras, ainda perseguia De Palma.
+ DOIS FILMES
MIRANTE
O debate pós-sessão de MIRANTE (2019), conduzido por Diego Benevides, no Cinema do Dragão, foi bastante frutífero para ajudar a pensar melhor o filme, uma obra de natureza mais experimental, feita ao longo de onze anos, com imagens sempre feitas a partir das janelas do apartamento do diretor, mas que acaba por retratar, de certa forma, a história recente do Brasil até 2018, antecipando, inclusive, os filmes de apartamento, tão comuns durante e após a pandemia. Rodrigo John tem uma carreira no cinema de animação e isso acaba sendo percebido no filme, seja pela própria utilização de stop-motion em certos momentos, mas principalmente pelo uso marcante da música para conduzir suas imagens, que me fizeram recordar das animações antigas que via quando criança. Mas o que me chamou mais a atenção foi a cena em que o diretor tenta conversar via Skype com uma moça e o resultado é semelhante a um filme de David Lynch. E também tem a ver com um tipo de comunicação mais travada que é característico do filme, e é escolha do realizador. Isso gera certo desconforto, mas acredito que a intenção é essa, mesmo.
O MISTÉRIO DE MAYA (Take Care of Maya)
O título original diz mais do que o filme apresenta que o brasileiro, e pensar em seu significado para essa história difícil e dolorida arrepia e emociona. O MISTÉRIO DE MAYA (2023), de Henry Roosevelt, é daqueles documentários de casos reais escabrosos que os americanos estão se especializando em fazer, e que fazem muito bem, embora acabem virando um modelo. De vez em quando, um deles fura a bolha e me interessa, como aconteceu no ano passado com A GAROTA DA FOTO. Aqui temos o caso de uma família lidando com uma doença rara da filha mais nova, uma doença que faz com que ela sinta dores intensas e perca habilidades motoras nos braços e principalmente nas pernas. Como desgraça pouca é bobagem, a menina acaba ficando sob a custódia do estado. Difícil não derramar lágrimas ao acompanhar os desdobramentos do caso. O que dizer da cena do (não) abraço na corte? É pensar e se emocionar.
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