domingo, maio 21, 2023

À PROCURA DE MR. GOODBAR (Looking for Mr. Goodbar)



Tenho percebido, cada vez mais, que tenho lacunas imensas de filmes pertencentes ao ciclo da chamada Nova Hollywood. Não sei explicar muito bem o motivo – talvez por ter procurado apenas filmes de diretores de maior renome (Scorsese, Allen, Coppola, De Palma etc.), mas nem chega a ser uma verdade, já que deixei de ver um monte de filmes de Robert Altman, só para citar um exemplo. Essa constatação aumentou quando comecei a adquirir os boxes da Versátil Home Video, dedicados a essa era de ouro do cinema americano. E foi vendo um dos destaques de um dos mais recentes pacotes que cheguei a um dos filmes mais impressionantes e talvez chocantes que já vi. Por chocante, talvez queira dizer surpreendente, no sentido mais pessimista do termo, já que, obviamente, já vi títulos mais perturbadores, evidentemente.

À PROCURA DE MR. GOODBAR (1977) é, talvez, o ápice que o cinema desse movimento chegou ao lugar de extremo pessimismo e mal-estar, mas certamente estou enganado, pois me falta repertório ainda, como já disse. No caso deste filme de Richard Brooks, que é um cineasta da geração anterior e não dos novos diretores mais ambientados na contracultura, temos uma obra que apresenta de maneira dolorosa a vida de uma mulher simpática e atraente (Diane Keaton, adorável) que tem a má sorte de se relacionar sempre com homens abusivos.

O que me deixou muito surpreso foi o quanto o filme tem detratores. O que é compreensível, já que pode ser visto de maneiras diversas. Acho que sou uma pessoa que aprendeu a ser menos julgadora do caráter ou das escolhas de vida de certos personagens. Logo, não vi em Theresa Dunn (Keaton) uma mulher promíscua, ou talvez esteja achando o adjetivo muito taxativo de alguém que quer ser sexualmente livre. Theresa quer ter o mesmo direito que os homens de nossa sociedade machista têm: poder se relacionar com vários parceiros sexuais e mandar a culpa católica para a PQP. De todo modo, esse tipo de comportamento, encontraria ainda mais barreiras na década seguinte, com o advento da AIDS.

É verdade que À PROCURA DE MR. GOODBAR acaba fornecendo munição para que tanto a personagem seja vista como irresponsável e culpada pelo seu próprio fim (o que é mais ou menos como culpar a vítima de um estupro no lugar do estuprador), quanto o diretor Richard Brooks como um artista que deixa escapar uma flagrante misoginia. Há, por exemplo, cenas que depõem bastante contra a personagem, como a “capacidade” de deixar as baratas tomarem de conta da louça em seu apartamento modesto. Mas acredito que se fosse um homem no lugar dela essa irresponsabilidade seria levada menos em consideração.

O que me incomodou muito na personagem, principalmente nos instantes iniciais, foi sua relação com um homem egoísta, o seu professor vivido por Alan Feinstein. O sujeito não merece uma mulher tão carinhosa e adorável e nem a entrega física e espiritual dela. Porém, uma vez que veremos outros homens também deploráveis passando pela trajetória de Theresa, começaremos a entender isso como uma espécie de via-crúcis da personagem, numa sociedade extremamente violenta contra a mulher.

Os Estados Unidos daquele período era um país em que reinava a desesperança e isso se refletia nos filmes produzidos. Era também a época da discothèque, quando as pessoas se jogavam nas noites a fim de experimentar prazeres novos, regados a muita bebida e drogas, mesmo que aquilo significasse uma vida diurna um pouco mais sem graça ou com muita ressaca. Mesmo assim, até que Theresa consegue, de certa forma, equilibrar esse estilo de vida à sua carreira de professora de crianças surdas.

Dos personagens masculinos, certamente o de Richard Gere se destaca e influenciou os papéis que receberia posteriormente, como em GIGOLÔ AMERICANO e A FORÇA DO AMOR, no início da década seguinte. Enfim, eis um filme para se ver sabendo o mínimo possível, de modo a não estragar as surpresas. E é também uma obra que consegue trazer um jogo narrativo bem sofisticado, unindo um pouco do classicismo à fragmentação proveniente dos pensamentos e das memórias da protagonista, característica que encontra ecos no cinema francês de vanguarda (lembrei-me de Alain Resnais), ainda que de maneira muito mais sutil ou diluída.

Nota: À PROCURA DE MR. GOODBAR foi lançado seis meses depois de NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA, de Woody Allen, o que só deixava claro o excelente momento na carreira de Diane Keaton. Além do mais, há um diálogo no bar que cita O PODEROSO CHEFÃO, e ver o sorriso de Keaton nesse momento me fez parecer um sorriso de satisfação por ter atuado num dos filmes mais importantes da história do cinema.

+ TRÊS FILMES

DANÇANDO NO SILÊNCIO (Houria)

O ponto de partida deste DANÇANDO NO SILÊNCIO (2022) me fez lembrar O PRÓXIMO PASSO, de Cédric Klapisch. Ambos são filmes de superação sobre moças que vieram de uma educação rígida do balé e enfrentam as dificuldades de uma vida pós-acidente. O filme de Klapisch é muito mais solar e também bem melhor desenvolvido e envolvente, mas talvez o trabalho de Mounia Meddour (PAPICHA, 2019) seja interessante justamente por essa busca por um tom mais sombrio e aterrador na realidade da protagonista. Entra em questão o país em que vivem, que ainda sofre com problemas sociais que acabam por espantar jovens a fugirem para outro lugar. No entanto, não gosto nada do modo muito "autoajuda" do filme, embora compreenda que seja uma obra que afetará diferentes sensibilidades.

A NOITE DO DIA 12 (La Nuit du 12)

Este sétimo longa-metragem de Dominik Moll (LEMMING – INSTINTO ANIMAL, 2005) opta por se interessar mais pelos personagens dos policiais do que em construir um trabalho de tensão a partir da investigação do assassinato da garota. Em alguns momentos, devido ao fato de a jovem ter vários casos amorosos na pequena cidade, é difícil não lembrar de TWIN PEAKS, mas A NOITE DO DIA 12 (2022) é bastante realista, até mesmo na construção da figura dos heróis, principalmente de seu protagonista, vivido por Bastien Bouillon, um policial jovem e muito centrado no que deve fazer, tendo cuidado para que suas emoções não nublem seus pensamentos e seus atos. Quem já está um pouco mais acostumado com o andamento de tradição mais lenta dos filmes policiais franceses certamente vai apreciar bastante. O filme fez parte do Festival Filmelier.

O LUGAR DA ESPERANÇA (Herself)

Na linha dos dramas humanistas e da classe trabalhista de cineastas como Ken Loach e Mike Leigh, O LUGAR DA ESPERANÇA (2020), de Phyllida Lloyd, a diretora de A DAMA DE FERRO (2011), nos apresenta a uma mulher que procura reconstruir sua vida depois de sofrer agressão doméstica do marido. Saindo de casa com as duas filhas pequenas e sem dinheiro no bolso (e nem no banco), Sandra (Clare Dunne) tem a difícil tarefa de trabalhar em dois turnos (como faxineira e como garçonete) e cuidar das crianças, enquanto o marido busca prejudicá-la. Até que ela sabe da ideia de construir uma casa, ela mesma (o "herself" do título original). Para mim, que costumo ser bastante sensível ao drama de mães, há aqui muitos momentos que me provocaram lágrimas e emoção. Gosto também da escolha do final, da opção por um desfecho menos óbvio, e tão agridoce quanto recompensador, ainda que dolorido. O LUGAR DA ESPERANÇA fez parte da programação do Festival Filmelier.

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