sábado, junho 18, 2022

VERÃO VIOLENTO (Estate Violenta)



O nome de Valerio Zurlini me faz lembrar demais Carlão Reichenbach, que idolatrava seus melodramas e tinha como seu filme favorito DOIS DESTINOS (1962), cuja apreciação eu continuo me devendo. Com a partida de Jean-Louis Trintignant ontem, no dia 17, o escolhido para eu ver em homenagem ao grande ator foi o lindíssimo VERÃO VIOLENTO (1959), cuja história se passa durante a Segunda Guerra Mundial, mais exatamente no ano de 1943, e narra uma história de amor entre um rapaz rico que vive fugindo das convocações do exército e uma viúva (Eleonora Rossi Drago), uma bela mulher mais velha do que ele – pelo visto, para a sociedade daquela época, essa diferença na faixa etária era uma espécie de tabu, quase um escândalo.

A história de amor é tratada com certa simplicidade do ponto de vista da trama, mas com muita sofisticação da direção e da fotografia. A cena da dança que culmina com o beijo dos dois é das coisas mais lindas que eu já vi na vida. E tudo é muito bem preparado para que essa cena seja mágica, inclusive a iluminação e o cenário. A música de Mario Nascimbene é maravilhosa e ajuda a conduzir com paixão a história de amor, desejo e proibição do romance em um contexto histórico em que as emoções se tornam ainda mais intensas.

Gostaria de deixar registrados um ou dois parágrafos a respeito dessa cena da dança, a mais importante do filme. Ela acontece quando Carlo (Trintignant) e seus amigos, junto com Roberta (Drago) e sua prima Maddalena (Federica Ranchi), após uma diversão no circo, adentram a velha mansão do pai de Carlo. O lugar tem uma aura pesada e Carlo resolve fazer uma experiência que se mostra muito interessante, que é apagar todas as luzes para que ele abra as portas da residência e a luz da noite adentre o recinto. Uma canção é escolhida, Carlo dança com a namorada Rosanna (Jacqueline Sassard), embora quisesse mesmo dançar com Roberta, mas isso se resolve quando algo chama a atenção do lado de fora da casa: as luzes de bombardeios atingindo uma cidade próxima.

Depois que todos olham para as luzes com um sentimento misto de maravilhamento e horror, acontece uma troca de casais que beneficiará Roberta e Carlo. Os dois começam a dançar tão juntinhos que a câmera passa a se esquecer dos outros ao redor. Por alguns poucos minutos, os corpos dos dois enamorados se aproximam de tal maneira e com tanto amor que nada mais parece existir. Pelo menos até Roberta acordar um pouco do transe e correr para fora da casa. Carlo a segue e ocorre um beijo. A opção de Zurlini de filmar o beijo inicialmente à distância faz toda a diferença, dando-nos um olhar voyeurístico para aquele gesto tão íntimo dos dois, embora depois aconteça o corte para os dois mais próximos.

A direção de fotografia de VERÃO VIOLENTO é de Tino Santoni, que repetiria a parceria com Zurlini em A MOÇA COM A VALISE (1961). As imagens em preto e branco fornecem um apelo ainda mais expressivo para os sentimentos de tintas dramáticas dos personagens. Se por um lado Carlo parece ser mais contido em seus sentimentos, Roberta deixa claro o quanto está impressionada com o fato de nunca ter sentido tanto amor assim em sua vida, na cena em que os dois acordam deitados na areia da praia, depois de uma noite juntos.

É impressionante como Zurlini ainda não tem o reconhecimento devido nos cânones que elevam os principais nomes do cinema mundial. No livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer, por exemplo, não há nenhum filme dele em destaque. Nem mesmo aquele que é talvez o mais famoso, A PRIMEIRA NOITE DE TRANQUILIDADE (1972), que eu lembro de ser destaque da revista SET em seus áureos tempos.

Mas falemos um pouco do ator homenageado que nos deixou. Jean-Louis Trintignant (1930-2022) talvez tenha chamado primeiramente minha atenção com o excelente A FRATERNIDADE É VERMELHA (1994), o último longa de Krzysztof Kieslowski, visto nos primeiros anos de minha cinefilia. Talvez eu já tivesse visto o thriller político Z (1969), de Constantin Costa-Gavras em VHS, mas não tenho certeza disso. Outros dois filmes maravilhosos protagonizados por Trintingnant e que vi em casa foram o western O VINGADOR SILENCIOSO (1968), de Sergio Corbucci, e a comédia dramática MINHA NOITE COM ELA (1969), de Éric Rohmer. No fim da carreira, o ator ganharia muito destaque no impactante AMOR (2012), de Michael Haneke. O último filme dele que vi no cinema foi OS MELHORES ANOS DE UMA VIDA (2019), uma das continuações do clássico UM HOMEM, UMA MULHER (1966), de Claude Lelouch. Há vários outros filmes com a presença deste grande ator que ainda não tive a oportunidade de ver, mas com o tempo conhecerei ao menos parte deles.

+ DOIS FILMES

TRIUNFOS DE MULHER (Night Nurse)

Cada vez tenho gostado mais das produções americanas dos anos 1930. A estranheza ocasionada pelo som ainda incipiente na indústria me dá uma sensação muito gostosa, assim como o estilo de atuação. Sem falar que é como entrar numa máquina do tempo que nos leva a momentos e a comportamentos um pouco mais diferentes do que estamos acostumados a ver em filmes hollywoodianos. Este TRIUNFOS DE MULHER (1931) me atraiu pela direção de William A. Wellman e pela presença de Barbara Stanwyck, que considero uma das atrizes mais brilhantes do cinema americano. Aqui ela está novinha, com vinte e poucos anos, e no papel de uma jovem que busca a profissão de enfermeira. A primeira meia hora do filme a apresenta na rotina de trabalhar como enfermeira noturna em um hospital. O restante do filme, curtinho, a torna heroína de uma trama envolvendo um gângster simpático e um chofer malvado numa situação de uma família problemática e crianças doentes. Clark Gable aparece em papel que antecipa um pouco o jeito machão de seus filmes mais famosos. O final é empolgante e divertido.

GREAT FREEDOM (Große Freiheit)

Este filme dirigido por Sebastian Meise trata de uma situação que renderia diversos outros títulos, que é a questão da criminalização da homossexualidade, que na Inglaterra também era crime passível de cadeia até 1967. Na Alemanha (Ocidental), onde se passa a história, essa lei continuou por ainda mais tempo, e é nesse período, que vai de 1945 até o início dos anos 1970, que se passa a trama de GREAT FREEDOM (2021), documentando a trajetória de idas e vindas ao cárcere de Hans Hoffmann, vivido por Franz Rogowski. Aliás, que bela interpretação a desse ator, que inclusive emagrece bastante para viver o personagem em momento imediatamente posterior ao fim da Segunda Guerra Mundial. Como a trama não é contada de maneira tão linear, alguns eventos só são conhecidos à medida que vamos nos adaptando àquele ambiente sujo e opressivo. Há até um ou outro momento de ternura, mas no geral é um filme bem seco. Até a fotografia evita cores mais vivas e abraça a vida não vivida, apenas sobrevivida.

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