Interessante como certos filmes que não são necessariamente bons ficam em nossa memória por mais tempo do que aqueles que têm um maior cuidado visual e narrativo. É o caso deste ACAMPAMENTO SINISTRO (1983), de Robert Hiltzik, que vi há um par de dias e ainda ficou me assombrando até agora. Assombrando é modo de dizer, claro, mas não há como negar que o filme tem um dos finais mais chocantes e impactantes ever. É mais ou menos como você assistir a uma cerimônia do Oscar maçante e de repente o melhor filme anunciado não é de fato o melhor filme e os então vencedores têm que descer do palco para que os reais subam – aconteceu de verdade em 2017. (Poderia fazer uma comparação com um jogo de futebol também, mas não sou exatamente um entusiasta e não tenho nenhum jogo em mente, mas acredito que existam sim equivalentes.)
ACAMPAMENTO SINISTRO é uma obra até um tanto medíocre. Mas há algo de diferente que percebemos logo de cara, que é o uso de adolescentes de verdade interpretando adolescentes, algo não muito comum nas produções do gênero na época. E o acampamento de verão de crianças e adolescentes parece de fato um acampamento de verão, um espaço em que as crianças se sentem mais à vontade para brincarem sem tanta intervenção dos adultos, como na escola ou em casa.
O filme se tornou objeto de culto por algumas gerações de cinéfilos. E quando começou a ser esquecido, foi criado um site na internet para apresentá-lo às novas gerações. Só depois da cena final que eu percebi que realmente se trata de uma dessas obras que de fato merecem essa adoração. Ou ao menos o seu culto. O ideal é ver ACAMPAMENTO SINISTRO sem saber nada da história, ou pelo menos sem saber o final, já que me parece até um pouco comum sua trama – pessoas sendo mortas misteriosamente em um acampamento de verão para crianças e adolescentes. Por isso, eu recomendo que não leia este texto se não tiver visto o filme ainda.
Pois bem. O que há, então, de tão novo e de tão impactante no final deste título? É não apenas o plot twist, mas principalmente a imagem final, que de tão icônica e bizarra é acertadamente congelada e a última que fica na mente, já que os créditos logo sobem. O filme até se torna mais controverso nos dias de hoje, quando as questões de transfobia estão mais em voga. Mas eu acho complexo simplesmente taxar o filme de transfóbico. Até porque há pessoas trans que o cultuam também, valorizam-no. Além do mais, o que acontece com Angela pode, de certa forma, ser comparado, guardadas as devidas proporções, ao que vemos em A PELE QUE HABITO, de Pedro Almodóvar.
Ou seja, Angela, é na verdade Peter, que passou a ser vestido e tratado como uma menina pela tia que o/a cria, depois que um terrível acidente mata seu pai e sua irmã. Esse acidente é mostrado no prólogo. Ou seja, depois que o filme acaba podemos ver Angela também como uma criança que comete os assassinatos tanto por ser vítima constante de bullying, como por ter, de alguma maneira, ficado complexada com sua mudança imposta de gênero. Ou seja, até mesmo se pararmos para pensar nas questões psicológicas que o filme pode trazer, ACAMPAMENTO SINISTRO sai ganhando. E tudo graças a essa reviravolta final.
Como se trata de um filme com muitas mortes (afinal, é um slasher!) e um tanto de nudez (principalmente nudez masculina) imagino o quanto pode ter sido delicado lançá-lo na época – a classificação indicativa nos Estados Unidos foi a NC-17 (rated R). A jovem atriz de 13 anos Felissa Rose, que interpreta Angela, até teve que sair de uma escola depois do filme, pois começou a sofrer bullying por causa do papel e da sequência final.
ACAMPAMENTO SINISTRO é mais um desses títulos vistos graças à curadoria da Versátil. Está presente no box Slashers (o primeiro volume), que ainda traz um belo documentário de 45 minutos sobre a realização e o legado desse pequeno clássico.
+ DOIS FILMES
INCUBUS (The Incubus)
Gosto quando sou surpreendido. Um filme estar presente em determinado box, de um subgênero muito específico, como é o caso do slasher, pode mexer com nossas expectativas. Na escolha da noite, os nomes de John Hough (A CASA DA NOITE ETERNA, 1973) e de John Cassavetes funcionaram como um belo atrativo em um filme que supostamente mostraria mais uma onda de mortes causadas por um psicopata. E de fato as mortes acontecem e de maneira seguida, sangrenta e crescente, mas o filme vai seguindo caminhos misteriosos e só entrega as revelações nos instantes finais. Na trama de INCUBUS (1981), Cassavetes é um médico de uma pequena cidade litorânea que tem um passado nebuloso e uma filha adolescente. Na cidade, começam a aparecer vítimas de estupro e assassinato e, ao que parece, o criminoso tem uma força incomum. Ao mesmo tempo, um rapaz começa a acreditar que as mortes estão associadas a sonhos que ele anda tendo. INCUBUS sobe de escala muito por causa da presença apaixonada de Cassavetes, que tem uma técnica muito particular como ator (além de ser um diretor fenomenal). Sem falar que ele gosta de filme de horror, a julgar por sua forte presença em O BEBÊ DE ROSEMARY, de Roman Polanski, e A FÚRIA, de Brian De Palma. O filme tem uma estranheza atraente, até mesmo na maneira como os personagens se comportam, como se não fosse apropriado, como se algo tivesse dado errado na transposição do roteiro para a direção, mas que, no entanto, acaba deixando tudo mais charmoso. Nos extras do box Slashers XI, há uma entrevista com John Hough e ele confunde os filmes. Cita Sophia Loren, sendo que ele dirigiu Loren e Cassavetes juntos antes, em O ALVO DE QUATRO ESTRELAS (1978), outro título que merece, acredito eu, a atenção de alguma distribuidora.
O MASSACRE (The Slumber Party Massacre)
Ando tão cansado que assisti a este filme em duas partes. Preciso ver o que está acontecendo de errado com o meu corpo. A ideia de ver um slasher seria justamente ver um filme que não precisasse pensar muito, mas não sei o quanto isso cabe, já que todo filme é objeto de reflexão, e portanto necessita de energia física e mental. No caso de O MASSACRE (1982), trata-se de uma obra que até hoje desafia as pessoas que procuram vê-lo como uma obra diferenciada justamente por ser um slasher dirigido por uma mulher. Um dos poucos do gênero. A diretora Amy Holden Jones teve que escolher entre trabalhar na edição de E.T. – O EXTRATERRESTRE ou estrear na direção deste filme de orçamento bem modesto. E é um trabalho que fez sucesso, rendeu continuações e se destaca dentro do subgênero, por mais simples que sejam a proposta, os diálogos e a trama. No enredo, grupo de moças resolve fazer uma espécie de festa do pijama com pizza e vinho quando os pais de uma delas deixam a casa para viajar. O assassino com uma arma explicitamente fálica aparece para matá-las, uma a uma, e também alguns poucos rapazes. O filme explora desde o começo a nudez na cena do banheiro, de uma maneira que mais parece a visão de um adolescente tarado. É como se a diretora, sabendo das convenções e do que faria sucesso para o público alvo, resolvesse escancarar, de certa forma, esse aspecto. O MASSACRE tem um tom agradavelmente amador e isso me atrai, traz algo de belo, e o elenco feminino é bom o suficiente para ganhar a simpatia do espectador. Presente no box Slashers II.
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