quarta-feira, setembro 29, 2021
MISSA DA MEIA-NOITE (Midnight Mass)
Fiquei apaixonado pelo trabalho de Mike Flanagan desde o momento que vi O ESPELHO (2013). Na época nem sabia que era um diretor com uma carreira já em encaminhamento, mas seus melhores trabalhos estariam ainda por vir. Desde O ESPELHO, cada novo filme ou série de Flanagan é uma nova alegria para mim, cresce mais o meu respeito pelo que ele vem desenvolvendo. Sobre MISSA DA MEIA-NOITE (2021), arriscaria dizer que é seu melhor trabalho, se ele não tivesse feito a obra-prima A MALDIÇÃO DA RESIDÊNCIA HILL (2018).
Acontece que em MISSA DA MEIA-NOITE, o diretor, roteirista, criador, editor se permite mais ousadias, tanto formais quanto temáticas. Flanagan afirmou em entrevistas que se trata de seu trabalho mais pessoal, que ele vinha pensando em materializar já há muitos anos. E depois de três trabalhos bem-sucedidos para a Netflix ele recebeu carta branca do serviço de streaming – ele fez um longa-metragem, JOGO PERIGOSO (2017), e uma segunda-minissérie, A MALDIÇÃO DA MANSÃO BLY (2020), em que ele dirigiu apenas um episódio, mas sendo o showrunner, a obra é principalmente sua. Então, com esses três sucessos e também apoio de boa parte da crítica de cinema e de televisão, Flanagan ganhou prestígio o suficiente para fazer uma obra audaciosa em muitos aspectos.
Uma das coisas que se destaca nessas minisséries de Flanagan é o seu grande carinho por seus personagens. É fácil se ver apaixonado por eles - em RESIDÊNCIA HILL isso é bem perceptível. E se antes já se percebia seu interesse por dramas familiares e por questionamentos acerca da morte, isso se expande nesta nova minissérie. A família agora é uma pequena população de uma ilhota afastada do continente, um espaço calmo e tranquilo, ainda que não isento de problemas e dramas de seus personagens. O lugar é tão pequeno que as pessoas não usam carros; elas caminham para ir para as casas umas das outras, e também para ir à igreja, que fica em uma área um pouco mais afastada das casas.
Aliás, sobre questões dramáticas, já começamos com a história do jovem Riley (Zach Gillford), que mata acidentalmente uma pessoa dirigindo alcoolizado e passa quatro anos preso. Ele, junto com Erin, a personagem de Kate Siegel (atriz linda e muito presente na obra do marido Flanagan), são os que mais se aproximam do olhar do espectador. Ambos são pessoas que tiveram a chance de viver em cidades grandes do continente, mas que, por força do destino, voltaram para seus locais de nascimento. Erin, inclusive, chega à ilha grávida. Ela e Riley foram namorados quando adolescentes.
Uma coisa que nos deixa muito intrigados na questão do horror da série é que, terminado o segundo episódio, de um total de sete, todos com o título de um livro (ou de uma série de livros) da Bíblia, ainda não sabemos do que a série trata (se é sobre fantasmas, demônios etc.). Só a partir do terceiro, “Livro III: Provérbios”, começam as revelações. E por isso o ideal é ver a série sabendo o mínimo possível. Há uma cena no início do segundo episódio que eu acho linda, com a câmera girando ao redor de vários personagens na praia, depois de um evento que acontece na virada de episódios.
Adoro o modo como o cineasta não se importa em estender os diálogos (às vezes monólogos), que funcionam como uma mistura de poesia e filosofia. Mesmo correndo o risco de deixar o espectador um pouco destruído. Mas depois percebemos que esses monólogos, esses delírios existenciais, são fundamentais para o espírito da minissérie. Especialmente o que discute sobre o que acontece com a gente após a morte.
Isso se acentua nos momentos finais da série e nos mostra o quanto, mais uma vez, a morte é um elemento de interesse e de fascínio do diretor. Há coisas que nos remetem a O SONO DA MORTE (2016), acerca da perda. E vemos que não foi à toa que Flanagan quis trazer uma nova adaptação para "A Volta do Parafuso" em A MALDIÇÃO DA MANSÃO BLY.
Entre os atores: destaque para a que mais se aproxima de uma vilã, a personagem de Samantha Sloan, ardilosa e muito inteligente no modo como usa seus conhecimentos das escrituras para conseguir o que quer; e o ator que faz o padre misterioso, Hamish Linklater. Também destaco os momentos que Flanagan nos faz chorar. Há um que é impressionante: o perdão de uma personagem ao homem que lhe fez mal.
Grande momento do terror no cinema e na televisão esse que estamos vivendo. E muito bom ter um diretor como Flanagan fazendo cinema e tevê autorais para as massas, disponível para quem quiser ver. Não vai agradar a todos, mas o que, afinal, agrada?
+ DOIS FILMES
NO QUARTO ESCURO DE SATÃ (Il Tuo Vizio È una Stanza Chiusa e Solo Io Ne Ho la Chiave)
Olha aí James Wan me dando vontade de ver mais gialli. Este aqui está entre os cinco filmes do gênero que Martino dirigiu no começo dos anos 1970. Não é melhor do que TORSO (1973), nem do que TODAS AS CORES DA ESCURIDÃO (1972), mas achei mais interessante e bem orquestrado do que A CAUDA DO ESCORPIÃO (1971). Trata-se de uma adaptação livre do conto "O Gato Preto", de Poe, mas a parte do conto é menos de um terço do filme, que apresenta personagens vis e detestáveis de uma maneira ou de outra. Há o escritor fracassado (Luigi Pistilli) que maltrata a esposa (Anita Strinberg) e que é suspeito de brutais assassinatos que estão ocorrendo no vilarejo. E há a sobrinha jovem (Edwige Fenech), que chega com meia hora de filme e já procura seduzir a todos. Um dos grandes méritos de NO QUARTO ESCURO DE SATÃ (1972) é nos deixar interessados do início ao fim. A trilha sonora, com cravos e cordas também é uma beleza. Filme presente no box Giallo Vol. 3.
THE PROJECTIONIST
Dos documentários feitos por Abel Ferrara nos últimos anos, THE PROJECTIONIST (2019) talvez seja um dos mais preguiçosos. O que é uma pena, pois a própria ideia dele parece ter nascido da paixão. No caso, da paixão pelo cinema, mesmo que seja pelo negócio em torno do cinema. O personagem do filme é um homem que foi proprietário de várias salas de cinema de rua na década de 1970, entre cinemas pornôs e cinemas de arte. O negócio vai mudando ao longo dos anos, mas ele segue resistindo em cinema de rua, até porque Nova York é uma cidade que torna isso um pouco mais viável. Tive a impressão de que Ferrara insere cenas de filmes talvez porque percebe que o personagem não é bom o bastante para sustentar o filme sozinho. Então, ele enxerta até cenas de filmes mais underground de vez em quando. O interessante é o quanto o filme nos apresenta uma história do cinema como negócio ao longo de mais de 40 anos.
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