quinta-feira, setembro 02, 2021

SOZINHA (Alone)



Acho difícil falar sobre obras mais centradas na ação. Por isso admiro muito os especialistas em críticas de filmes de artes marciais ou de ação ocidental. No caso de SOZINHA (2020), primeiro filme que vejo de John Hyams, há alguns elementos que podem sim ser objeto de reflexão por parte do espectador. Poderíamos dizer que é um estudo sobre o mal, mas talvez isso esteja errado, já que não há tanto aprofundamento assim. Ou poderíamos dizer que é um filme sobre a capacidade de alguém de enfrentar seus próprios demônios e encará-los como um herói. No caso, como uma heroína. (A propósito, este é um filme que deve ser visto sabendo o mínimo possível; portanto, recomendo que não leia o texto, se não viu o filme ainda.)

Percebe-se que o maior interesse de John Hyams, diretor conhecido por filmes de ação do segundo escalão, como SOLDADO UNIVERSAL 3 – REGENERAÇÃO (2009) e SOLDADO UNIVERSAL 4 – JUÍZO FINAL (2012), obras consideradas como ótimas por críticos que muito considero, o maior interesse de Hyams seria a ação especificamente. Lidar com o gênero e extrair dele o melhor. E em SOZINHA ele consegue nos deixar com as mãos segurando nos braços da poltrona como que numa montanha-russa de emoções, de tensão e de desespero. 

Afinal, o fato de a protagonista ser uma mulher sozinha em uma viagem de carro, pegando a estrada em estado de luto ainda (ela perdera o marido), e sendo atacada por um maluco, isso é sim assustador. Eu, como sou muito medroso de pegar estrada (prefiro muito mais o caos do trânsito na cidade grande), já fiquei com a adrenalina a mil na cena da ultrapassagem. Jessica (Jules Willcox) tenta fazer uma ultrapassagem perigosa, já que o carro da frente não está ajudando. Obviamente, lembramo-nos logo de ENCURRALADO, o clássico thriller de Steven Spielberg. Mas este é só o primeiro ato.

No segundo ato o filme muda de estrutura, se torna ainda mais dramático, uma vez que todas as dúvidas que tínhamos sobre o stalker (Marc Menchaca) deixam de ser dúvidas e nos vemos diante de uma pessoa que sente prazer pelo que faz, e que Jessica não teria sido sua primeira vítima. Há até um momento em SOZINHA que eu achei que fosse se encaminhar para algo ainda mais cruel para a heroína, que é quando ele pede a ela para tirar a roupa. Mas a pressão psicológica que ele faz à mulher talvez seja tão pesada quanto uma cena de estupro em si.

O terceiro ato, melhor do que o segundo, se concentra na floresta. E o filme vira um jogo de gato e rato bem cruel. Há um cuidado visual do diretor e a natureza funciona tanto como uma ajuda para a heroína quanto como um elemento de obstáculo, como quando ela fere o pé na fuga. O filme ganha contornos de obra de vingança perto do final, quando Jessica se apodera de uma coragem que foi conseguida com muito esforço. E o final nos brinda com uma cena linda, suja, sangrenta, mas de certa forma redentora. Um dos filmes mais empolgantes do ano, mesmo sem ser exatamente original. Mas, hoje em dia, o que é original?

+ DOIS FILMES

CAMINHOS DA MEMÓRIA (Reminiscence)

Há um bom filme no meio da bagunça e de todos os problemas que resultaram neste neo-noir/sci-fi. A questão da memória, que é tão fascinante, bem que poderia ter sido melhor explorada em CAMINHOS DA MEMÓRIA (2021), se feita com mais sensibilidade e talento; inclusive, há uma cena que já imagino que teria sido o grande momento dessa questão da memória em diálogo com o presente. A história se passa em um futuro não muito distante em que as águas tomaram de conta de Miami e a cidade virou quase uma Veneza, só que mais decadente. Hugh Jackman e Thandiwe Newton trabalham em uma empresa que oferece os serviços de revisitar momentos caros do passado dos clientes. A vida do protagonista muda quando ele encontra e se apaixona por uma cliente (Rebecca Ferguson). Um dos problemas centrais é que o filme não nos faz ficar apaixonados pela personagem junto com o herói; além do mais, os hiatos também não ajudam. Ferguson talvez não tenha sido a melhor escolha para uma femme fatale, mas seria errado atribuir o problema a ela, e não à realizadora estreante Lisa Joy. Ou talvez a outras circunstâncias. Às vezes problemas acontecem no meio do processo.

SLALOM - ATÉ O LIMITE (Slalom)

A maior força de SLALOM - ATÉ O LIMITE (2020), de Charlène Favier, está na presença de cena da jovem protagonista, a adolescente vivida por Noée Abita. Ela faz o papel de uma atleta de esqui que vai galgando resultados muito bons com o apoio cada vez mais próximo de seu treinador, vivido por Jérémie Renier (ator principal de O AMANTE DUPLO, de François Ozon). As cenas da competição são muito boas, mas a intenção de focar na fragilidade da garota ganha intensidade quando ela, uma menina de 15 anos, se torna intimamente mais próxima do treinador, um homem casado e na faixa dos 40. Eis um filme que nos faz pensar no quanto as primeiras relações sexuais da juventude podem ser traumáticas e gerar confusão na cabeça das jovens, principalmente quando ainda em tão tenra idade. A diretora traz segurança e sensibilidade em lidar com um tema tão espinhoso, mas tão importante de ser debatido.

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