domingo, fevereiro 07, 2021
MONJAS PECADORAS (La Monaca del Peccato)
1989 foi meu ano de estreia como cinéfilo. Por que eu digo isso? Porque foi o ano em que comecei a ler sobre cinema em jornais e revistas, a ir ao cinema toda semana, a acompanhar as premiações principais, a ficar atento para os lançamentos na telona e em VHS e também nas exibições na TV aberta. E foi no início deste ano que comecei a comprar a revista SET, na época, em uma fase maravilhosa. MONJAS PECADORAS (1986) foi um dos destaques inclusive de capa de uma das edições. E me deu muita vontade de ver. Mas eu não tinha nem 17 anos ainda e a censura do filme era 18.
Mas lá fui eu com meus amigos, tentar comprar e ver se dava certo. Compramos, mas fui barrado. Aquele menino franzino não tinha cara de quem tinha 18 anos mesmo. E partimos para ver outro filme no Cine Fortaleza - se não me engano, foi COCOON, de Ron Howard. MONJAS PECADORAS estava passando no Cine Diogo, o cinema do Centro com mais cara de popular. Era lá que eram exibidos filmes do Van Damme, do Stallone, filmes policiais e às vezes filmes eróticos softcore. Hoje em dia o cinema não existe mais. No espaço grande construíram um shopping popular, o Shopping Diogo. Uma pena, mas podia ser pior.
Passaram-se anos e eu nunca vi o filme. Talvez por algum sentimento relacionado à rejeição daquela ocasião, não sei. Ou talvez porque não era mesmo uma obra benquista pela crítica. Eu passava na locadora, olhava para a fita, pegava, e novamente deixava ela ali no mesmo cantinho de antes. E eis que, só recentemente, os caminhos da internet me aproximaram novamente desse exemplar do nunsploitation. Aliás, foi só nesta semana que eu soube quem é o diretor do filme, o prolixo Joe D'Amato (197 títulos no IMDB!), que aqui assina sob um pseudônimo (Dario Donati).
Enquanto via o filme e encontrava um monte de falhas em seus primeiros minutos, fiquei me perguntando se o fato de D'Amato ter adotado um pseudônimo já era uma deixa de que se tratava de um filme a que ele tinha vergonha - se bem que depois ele perdeu a vergonha de vez, pois assinou um monte de filmes pornôs até o fim de sua vida. O que, aliás, não é motivo de vergonha nenhuma. Mas no ano anterior ao MONJAS ele havia realizado o ótimo A ALCOVA (1985), estrelado por Lilli Carati.
A estrela de MONJAS PECADORAS é Eva Grimaldi, a atriz e modelo que também faria um filme como o nosso querido Walter Hugo Khouri, FOREVER - JUNTOS PARA SEMPRE, em 1991. MONJAS foi seu primeiro trabalho no cinema. E há uma exploração do corpo da atriz, o que é de se esperar em se tratando do subgênero. Se bem que é um filme que decepciona quem vai buscar nele um erotismo atraente. Na verdade, ele já começa bastante incômodo, com a cena da personagem Susanna (Eva) sendo estuprada pelo próprio pai, razão que a leva a ser encarcerada em um convento.
O filme é uma adaptação do mesmo romance inacabado de Denis Diderot, que foi adaptado por Jacques Rivette em 1966 e fez nascer a obra-prima A RELIGIOSA. Infelizmente, fazer esse tipo de comparação com a obra de Rivette só torna a obra bastarda de D’Amato ainda menor. Mas também seria burrice da minha parte perseguir esse tipo de comparação. Afinal, trata-se de um filme que, pela própria maneira como se vende, não parece se levar tão a sério em sua defesa da pobre moça que é feita freira à força e ainda por cima é assediada, humilhada e torturada.
Só na meia hora final que o filme deixa de lado suas tentativas de brincar com um erotismo que não funciona para trazer um tom de horror à história de Susanna, que chega a receber água benta através de meios bem “estranhos”, e é acusada de possessão demoníaca por uma freira enciumada (a madre superiora ficara apaixonada por Susanna) e outras tantas companheiras. Lembrando que, no convento, há também um padre que logo se interessa fisicamente por Susanna.
Uma das cenas mais memoráveis - como também acontece no filme de Rivette - é a do julgamento, em que Susanna se vê tendo que se defender das mentiras e dos ataques físicos. Pena que termina de maneira tão brusca. Teria sido uma chance de ouro de D'Amato tornar seu filme mais lembrado e mais querido.
Agradecimento à Paula pela companhia durante a sessão.
+ TRÊS FILMES
SAINT MAUD
Acho interessante o modo como este SAINT MAUD (2019), de Rose Glass, usa a iconografia da Igreja Católica e da crença fervorosa de sua protagonista para construir uma obra muitas vezes apoiada em contradições. Afinal, a própria fé é instável e o filme trabalha com isso também, até por nos colocar o tempo todo nos sapatos (às vezes bem dolorosos) da personagem de Morfydd Clark. Ela é uma enfermeira particular que passa a cuidar de uma dançarina famosa que está se tratando de um câncer em grau avançado (Jennifer Ehle). A razão de ser de sua vida passa a ser salvar a alma daquela paciente perdida e pecadora. Gosto da mudança da trama, trazendo mais complexidade para a protagonista, mas senti dificuldade de me conectar e de me envolver com as estranhezas sobrenaturais (?) que o filme traz. De todo modo, há uma beleza na composição dos quadros que, por si só, já é algo bem-vindo.
SNUFF - VÍTIMAS DO PRAZER
Eis um filme complicado de avaliar. SNUFF - VÍTIMAS DO PRAZER (1977), de Claudio Cunha, é atraente de ver, os problemas de dramaturgia podem ser relevados, mas talvez seja preciso ver além. O interesse pela lenda urbana dos snuff movies chega ao Brasil com esta ideia de Cunha e Carlos Reichenbach, que assinam o roteiro. Na trama, dois sujeitos planejam escalar equipe e elenco para filmar um snuff. Sem que a equipe saiba, uma das atrizes será assassinada em cena. É interessante ver a escalação do grupo: uma stripper (Rossana Ghessa), uma atriz decadente, uma aspirante a atriz, uma miss de cidade do interior e um único ator saído do hospício (Roberto Miranda). Carlos Vereza interpreta o diretor decadente que tem como assistente o sempre simpático Canarinho. O filme começa a ficar mais interessante com a expectativa da tal cena fatal e o desespero de um dos sócios diante da iminente morte da atriz por quem ele se apaixona. Há uma cena que a imagem ripada do VHS torna quase impossível de enxergar: a cena da briga do lado de fora de um prostíbulo, muito escura. Gosto do final e das escolhas econômicas da construção deste exploitation que mais parece uma profecia do que viria a acontecer com a Boca do Lixo anos depois.
LIBERTÉ
Não é um filme fácil, como já era de se prever. Mas há algo de fascinante na construção da atmosfera, seja pela quase ausência de trilha - ouvimos apenas o som dos grilos e o farfalhar nas folhas no bosque, além do som das vozes das pessoas -, seja pela sensação de que estamos em uma espécie de inferno em que o desejo sexual nunca é satisfeito, as ideias e a criatividade das perversões precisam ser sempre inventivas e cruéis. O prólogo de LIBERTÉ (2019), de Albert Serra, já antecipa isso, mas não entrega o que o filme traria. O filme é uma espécie de teste de fidelidade para o espectador, por conta do andamento lento e certo mal estar que muitas vezes provoca pelas cenas de sadismo, embora esse mal estar possa ser, em algumas ocasiões, e dependendo do espectador, também confundido com fantasias sexuais reprimidas. Fico feliz de ter visto no cinema; em casa, não sei se ia ser uma experiência interessante.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário