terça-feira, fevereiro 02, 2021

11 CURTAS BRASILEIROS



Na falta de um texto sobre algum longa visto (há muitos na lista), seguem mais alguns textos rápidos sobre curtas vistos recentemente. A maior parte deles são de uma safra nova.

ZIGURATE

Fascinante conto com tons lovecraftianos sobre a crise de valores da sociedade. ZIGURATE (2009), de Carlos Eduardo Nogueira, lida com a sensualidade, imagens tão sugestivas quanto explícitas sobre o sexo, mas o sexo mais como um elemento de ostentação dentro do pacote que inclui luxo e corpos perfeitos, do que como algo libertário e prazeroso. Na verdade, em determinado momento, o sexo passa a ser quase um fator de escravidão. É desses curtas que impressionam pelas imagens, mas que traz simbolismos diversos.

O HOMEM DAS GAVETAS

Tive um pouco de dificuldade de entender este O HOMEM DAS GAVETAS (2020), de Duda Rodrigues, embora na revisão eu tenha compreendido mais do ponto de vista da narrativa, ao menos, já que filmes sem diálogo costumam me deixar desconcentrado (um problema meu, eu sei). Mas achei fascinante a história desse homem de madeira cheio de gavetas em lugares estratégicos do corpo que passa a sentir necessidade de preencher o vazio dessas gavetas com diversas coisas: flores, ouro, sexo, comida, e aos poucos começa a surgir uma insatisfação espiritual. Já li uma crítica que vê o curta como um estudo da história da arte, mas acredito ser mais fácil compreendê-lo como a história das necessidades e frustrações do ser humano. Excelente o trabalho de stop-motion.

INSTITUIÇÃO_INTUIÇÃO

Bonita e criativa reflexão sobre o momento mais intenso da pandemia, quando as ruas estavam vazias e a ação se concentrava mais dentro das casas e se refletia nas telas dos celulares e computadores. Em INSTITUIÇÃO_INTUIÇÃO (2020), de Ana Pi Há diversos assuntos em que a diretora nos faz refletir: pensar nas pessoas que vivem na rua, a mudança no mundo, o pensar criativo como oportunidade, o cuidar da vida. A narradora começa uma conversa, que na verdade é um monólogo, mas que pode ser encarado como uma conversa, sim, já que podemos continuar o diálogo.

VIVA ALFREDINHO!

Não tinha a menor ideia de quem era Alfredinho e nunca tinha ouvido falar do bar Bip Bip, situado em Copacabana, mas fiquei encantado e muito emocionado com o registro do velório deste homem, que conseguiu transformar sua partida em um bloco de carnaval. As pessoas cantando sambas em sua homenagem, falando um pouco sobre o profundo carinho por ele, levando o cortejo com música e cerveja, e há todo o aspecto agridoce do samba, que consegue ser alegre e triste ao mesmo tempo. Os 15 minutos de duração de VIVA ALFREDINHO! (2019), de Roberto Berliner, trazem uma das mais bonitas manifestações em torno de uma pessoa e de sua partida deste plano que eu já vi.

O QUE NÃO TEM ESPAÇO ESTÁ EM TODO LUGAR

Pareceu-me um filme maníaco-depressivo. Ou ao menos lida de diferentes maneiras com as situações de tristeza acentuadas no momento da pandemia. A primeira parte de O QUE NÃO TEM ESPAÇO ESTÁ EM TODO LUGAR (2020), de Jota Mombaça, traz um texto bem deprê sobre pessoas que cometeram suicídio, lembra pessoas célebres citadas de maneira poética. Depois o estilo de projeto experimental/vídeo-instalação passa a tomar conta, quando o artista seleciona diversas imagens de celular para compor seu cenário do momento no mundo e de seu sentimento.

OBATALA FILM

Acho que sou muito dependente da narrativa, embora tenha criado com o tempo alguma sensibilidade com a apreensão de certos filmes de natureza mais experimental. No caso deste OBATALA FILM (2019), de Sebastian Wiedemann, fiquei entre duas opções: deixar que os seus sete minutos de imagens e sons me fisgassem pelo coração ou tentar, racionalmente, entender o que estava vendo, a representação das imagens, seus significados. Mas isso também se torna difícil sem conhecer o extra-filme, informações sobre quem é aquele homem filmado em super-8 e o que são aqueles rituais e que música é aquela. São certamente informações que podem ampliar a apreciação fílmica.

O QUE HÁ EM TI

A partir da famosa imagem do haitiano que abordou Bolsonaro para dizer "Acabou, você não é mais presidente" e deixar o especialista em matar desconcertado, O QUE HÁ EM TI (2020), de Carlos Adriano faz uma colagem poética, triste e tensa da canção "Haiti", de Caetano e Gil, de um poema de Sousândrade sobre a Revolução Haitiana e de imagens da intervenção militar do Brasil na época da governo Lula, que resultou em uma chacina no país. As cenas incomodam, a música interrompida e recortada também contribui para esse incômodo. Também há recorte de imagens na tela. Um cinema poesia que transpira indignação.

DO PÓ AO PÓ

Um espirituoso olhar para a pandemia este DO PÓ AO PÓ (2020), de Beatriz Saldanha, com influências de Lynch no uso do som e da importância dada aos objetos em cena. Eu adoro quando isso acontece, pois mostra um olhar apurado do/a cineasta e na verdade é algo que não se percebe com tanta força em muitos filmes (são poucos que fazem isso tão bem, na verdade). O uso da claque nas cenas do lavar as mãos traz tanto humor quanto horror para este objeto estranho. E a montagem com filmes antigos ajuda a tornar a experimentação um sucesso em tempos de recursos limitados de produção. Criatividade é tudo.

LORA

A alegria de um documentarista que privilegia o ser humano é poder encontrar personagens de grande força. E aqui neste LORA (2020), de Mari Moraga, temos uma excelente personagem. Além do mais, é um filme que dá voz a uma classe que geralmente fica à margem da margem da sociedade, o morador de rua. Raramente são pessoas que têm palavra. Lora não é mais moradora de rua, mas viveu durante 20 anos, teve a experiência com o crack, com a experiência de estupro, a experiência de agressão de autoridades públicas. E ela fala com muita segurança e muita clareza sobre os direitos constitucionais, sobre a desumanidade costumeira do Brasil e do estado de São Paulo. É um curta que passa voando e a gente até lamenta quando acaba.

MÃTÃNÃG, A ENCANTADA

Animação contada, narrada, dublada, dirigida e desenhada por índios da tribo maxakali, povo que vive em regiões de Minas Gerais. Há um poder de fábula muito forte na trama de MÃTÃNÃG, A ENCANTADA (2020), de Shawara Maxakali e Charles Bicalho, que começa com um homem da tribo sendo picado por uma cobra venenosa e vindo a falecer. Sua esposa, inconformada com sua morte, segue seu espírito a um lugar para onde vão os espíritos. O traço adotado é simples e muito bonito e combina com o estilo fantástico adotado.

PEQUENAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESPAÇO-TEMPO

Tem sido interessante perceber esta leva de curtas intimistas baseados em fotos. Eles custam muito pouco ou quase nada ao realizador, e com frequência são feitos com sensibilidade e inteligência. Este PEQUENAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESPAÇO-TEMPO (2020), de Michelline Helena, tem apenas três minutos de duração e a diretora/narradora mostra fotos de uma família e filosofa sobre coisas que poderiam ter acontecido com os personagens das fotos em uma realidade alternativa. Ela inicia o filme nos situando dentro do momento da pandemia, o que já se apresenta como mais um tipo de documento histórico.

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