segunda-feira, maio 13, 2019

LONGA JORNADA NOITE ADENTRO (Di Qiu Zui Hou De Ye Wan)

O cinema é a forma de arte que mais se aproxima do sonho, por mais que a intenção de boa parte dos cineastas seja a busca de uma impressão de realismo. E é até compreensível, levando em consideração que nem todos conseguem trabalhar de maneira satisfatória com o sonho no cinema. Ao falar de sonho lembra-se de Luis Buñuel, de David Lynch, de Alejandro Jodorowsky, de Alain Resnais, de Andrei Tarkovski, de Ingmar Bergman. São poucos, na verdade, os cineastas que conseguem transformar o cinema em matéria de sonho.

Eis que, do cinema chinês, que atualmente vem tratando mais de questões sociais e políticas em seus dramas, surge o jovem cineasta Gan Bi e seu impressionante LONGA JORNADA NOITE ADENTRO (2018), que pega emprestado o título da peça de Eugene O’Neill, embora não guarde muita relação. O título é explicativo quando entramos na segunda metade do filme, que usa um longo plano-sequência para nos levar para uma jornada noturna em busca de uma mulher. Por mais que a primeira parte seja hermética e por vezes confusa, uma vez que passamos por ela, somos tragados por uma das mais fascinantes viagens já mostradas pelo cinema.

A primeira parte lida com o tempo escorregadio e o caráter vago da memória. A memória de quase duas décadas, quando o protagonista Luo Hongwu (Jue Huang) conheceu uma mulher misteriosa, Wan Qiwen (a bela Wei Tang, de DESEJO E PERIGO). Fragmentos de memória parecem se juntar a imagens de ficção ou de sonhos, como que de um filme visto por Hongwu que talvez tenha se misturado às lembranças.

Em entrevista à revista Cinema Scope, de setembro de 2018, Gan Bi disse que sempre se sentiu em perigo durante as filmagens, como se ele sempre estivesse prestes a destruir o filme, a fazer alguma decisão errada, ou a destruir a si mesmo. Algo parecido pode ser refletido no espectador, como uma espécie de angústia, ao mesmo tempo em que a sensação de se perder na noite é extremamente excitante.

É como saber que se está em um sonho, mas que aquele espaço/tempo é o único possível para que o encontro daquele homem com a mulher de sua vida seja materializado. Embora a palavra matéria não seja exatamente algo que se possa pensar de uma obra tão pouco tangível. Lembrar do filme e dessas sensações que ele provoca é aumentar ainda mais o amor, o respeito e o fascínio por essa maravilha sombria e romântica, lindamente orquestrada por um cineasta que, em seu segundo longa-metragem, mostrou um virtuosismo impressionante.

O que dizer da cena do ping-pong com o garoto na mina? E da raquete mágica? E a do encontro com a garota da sinuca? E a conversa com a mulher da tocha? São cenas tão cheias de elementos oníricos fortes que nos arrebatam como poucos. E ainda por cima há todo um cuidado visual. Há o vestido verde de Wan Qiwen: sempre que a cor aparece nos lembramos dela. Há um cuidado todo especial com cada enquadramento, cores e cenário, mesmo sendo tudo tão sombrio e noturno. Meus amigos, estamos diante de um dos grandes filmes do novo século.

Um detalhe curioso da carreira comercial de LONGA JORNADA NOITE ADENTRO é que o filme teve uma campanha de marketing na China semelhante à de um blockbuster (há a utilização de tecnologia 3D na segunda metade em algumas salas, o que ajuda), mas que ocasionou muitas reclamações. Afinal, ninguém estava preparado para um filme de arte. Assim, houve uma saída em peso de pessoas no meio dessas sessões iniciais. Assim, o filme acabou faturando bastante no dia da abertura, embora tenha caído nos dias seguintes. Ou seja, parte do público foi enganado, mas nem por isso deixou de ser, ainda que não admita, privilegiado.

+ TRÊS FILMES

YOUR NAME. (Kimi No Na Wa)

A trama desta bela animação lembra um pouco A CASA DO LAGO, de Alejandro Agresti. Começa com uma troca de corpos entre um menino e uma menina que moram em lugares diferentes do Japão. Ambos intervêm de alguma maneira na rotina do outro, da mesma forma que passam a conhecer a vida um do outro. Há uma reviravolta que eleva o filme e torna o que estava ficando repetitivo em algo valioso e urgente. Direção: Makoto Shinkai. Ano: 2016.

OS SONÂMBULOS

Acho importante que tenhamos filmes que discutam nossa situação política sombria, mas é ruim quando esses filmes têm uma linguagem um pouco mais próxima da audiência. Nada contra hermetismos, mas nesse caso aqui, dura quase duas horas e chega um momento que a narração tediosa convida ao sono. Além do mais, há o problema de o filme tratar de uma situação menos grave do Brasil, de quando o problema era apenas o país ter sido vítima de um golpe. Agora a situação é muito pior. Que novos filmes tenham a chance de falar a respeito. Direção: Tiago Mata Machado. Ano: 2018.

ALBATROZ

Não me lembro de ter visto na filmografia brasileiro um filme tão assumidamente lynchiano. Há referências explícitas a VELUDO AZUL e a trama é mais intrincada (deveria dizer, perdida, no caso) do que CIDADE DOS SONHOS e ESTRADA PERDIDA. É uma pena, pois a brincadeira começa até bem, mas vai se perdendo à medida que vai chegando perto da conclusão. Na verdade, bem antes disso. É bom que exista um filme como esse, um corpo estranho dentro de lançamentos brasileiros e num cinema de shopping, ainda por cima, mas que pena que um elenco tão legal tenha sido mal aproveitado em um enredo que apostou na confusão e achou que era o suficiente para ganhar o espectador que gosta de desafios. Direção: Daniel Augusto. Ano: 2019.

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