sábado, dezembro 12, 2015
CALIFÓRNIA
Vontade de dar um abraço na Marina Person ao sair da sessão de CALIFÓRNIA (2015), sua estreia na direção de longas-metragens de ficção. O filme sintetiza muito bem os anos 1980, essa década que foi um misto de alegria e muita cor com algo de soturno e bem depressivo (inclusive com a chegada da AIDS). Por isso, a banda mais representativa do filme é The Cure, que além de comparecer com duas faixas na trilha sonora (em momentos bem especiais!), ainda conta com um personagem muito importante (e querido) que se veste um pouco como o seu ídolo Robert Smith e é o esquisitão da escola. The Cure se caracterizava por alternar canções depressivas com outras extremamente alegres em seus discos.
Do lado brasileiro temos os Titãs, que comparecem também com esses dois lados da moeda: toca a alegre “Sonífera ilha” e a versão acústica e noventista de “Não vou me adaptar”. E tem o Paulo Miklos lá, no papel de pai da protagonista Estela (Clara Gallo), uma moça cujo sonho maior é viajar para a Califórnia, lugar onde seu tio Carlos (Caio Blat) mora. Ele trabalha escrevendo sobre música pop, outra das paixões de Estela, que ainda novinha, descobrindo a vida, é fã de David Bowie.
O filme abre com uma cena bem importante para ela: o dia de sua primeira menstruação. A sexualidade, como é natural, é algo muito importante para ela e para as amigas, que falam sobre os romances com os meninos. Assim, enquanto a viagem para a Califórnia não chega, Estela tem uma queda por um rapaz da escola e vê nele o sujeito ideal para tirar a sua virgindade. As coisas não saem muito bem como ela quer, assim como a viagem para a Califórnia é adiada com a chegada-surpresa do tio Carlos, visivelmente abatido e sem expectativa de retornar para os Estados Unidos. Sim, o filme também trata da AIDS e de como ela trouxe consigo inúmeras tragédias familiares.
A aproximação e o amor de Estela pelo tio são bastante evidenciados e há um momento em especial que é bem emocionante: a cena do restaurante, quando os dois estão sós. Estela nada sabe do grave problema do tio e assim somos nós, espectadores, os convidados a sermos cúmplices daquele momento de nó na garganta, de preferir não trazer, afinal, mais tristeza ou preocupação para a cabeça daquela garota, cuja idade já é tão fácil de potencializar os sentimentos.
E que bom que o filme consegue potencializá-los, pois assim ganhamos com isso, com a paixão que aqueles personagens têm pela música, em especial pelo rock daquela época. Assim, há cenas em loja de discos, na casa cheia de discos (e livros e quadrinhos) de JM (Caio Horowicz), personagem que apresentaria a Estela livros e discos que considerava importantes. Fazia isso com muito carinho e talvez até sem saber o quanto estava ajudando na formação de uma pessoa. Ao mesmo tempo, acaba surgindo algo além da amizade entre os dois, o que já é algo aguardado pela estrutura da narrativa.
O que não quer dizer que não tenhamos uma sucessão de pequenas surpresas ao longo da jornada de autoconhecimento de Estela. Uma jornada que contará com corações partidos, um parente querido muito doente e a arte como forma não apenas de válvula de escape, mas também como identificação e razão de viver.
Embora Marina Person tenha dito que não se trata de um filme autobiográfico, sentimos como se ela estivesse ali, transportada numa espécie de túnel do tempo que, ora olhamos com certo distanciamento, ora experimentamos como se tivéssemos voltado aos 17 anos. Como já passamos por isso, sabemos o quanto é perturbador ter tanta energia, ter o mundo inteiro pela frente e não ter a menor ideia de como agir, seja na vida amorosa, seja na construção de seu futuro.
A vida é cheia de coisas lindas como a arte e o amor que convivem ao lado de tragédias e tristezas. Essa é a graça da coisa, na verdade, e por isso às vezes é necessário que um filme como CALIFÓRNIA nos ajude a lembrar disso. E ainda somos presenteados com uma seleção de canções de primeira escolhidas a dedo por Marina.
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