quarta-feira, outubro 14, 2015

O LUGAR DAS PERDAS



O cinema cearense tem se tornado cada vez mais amplo em temática e em forma. Além do trabalho de cineastas novos que lidam com a ficção de maneira diferente e ousada e da tradição de cineastas veteranos que continuam contribuindo com sua experiência e talento, sem também perder o frescor, o nosso cinema também tem se caracterizado por trazer à tona reflexões fundamentais para a construção de uma sociedade mais cidadã, abrindo espaço para discussões nos âmbitos político e social.

O LUGAR DAS PERDAS (2015), de Israel Branco, é dessa vertente, embora também procure ser algo mais do que um simples documentário sobre o drama de pessoas que são deslocadas de suas casas pelo governo, buscando meios de se legitimar também como arte, o que o diferencia de programas jornalísticos produzidos para a televisão com um formato predeterminado. Nem que para isso tenha que abusar do uso da câmera na mão, que, de tanto tremer, chega a incomodar.

Nota-se em O LUGAR DAS PERDAS um tatear do realizador na tentativa de ir em busca de entrevistados que possam fornecer palavras e ações que contribuam para a edição final. Isso, aliás, é uma característica do gênero documentário. Lembremos que Eduardo Coutinho não se esquivava de esconder que às vezes não fazia a menor ideia do que iria filmar quando se juntava com sua equipe – provavelmente o caso mais explícito disso esteja em O FIM E O PRINCÍPIO.

Curiosamente, assim como o documentário sobre velhinhos falando sobre o passado e as expectativas do futuro, o filme de Israel Branco também encontra justamente nas pessoas idosas a sua maior força. Até porque essas pessoas possuem muito mais tempo de vida naquele espaço, no caso, a comunidade do Pirambu, uma área pobre de Fortaleza, mas que fica situada próximo ao Centro e à Praia de Iracema, e por isso mesmo vem sendo alvo do Governo para se tornar um novo ponto turístico da cidade.

Essas pessoas mais idosas vieram da zona rural na época da seca e se instalaram naquele espaço, que posteriormente seria concedido a eles por meio de lei federal. Um espaço de amor por aqueles que lá habitam ou habitavam. O LUGAR DAS PERDAS trata justamente do doloroso processo de remoção de algumas dessas pessoas pela Prefeitura de Fortaleza, que ofertou a elas um lugar em um condomínio modesto ou uma quantia em dinheiro se a pessoa preferisse. Essa quantia, porém, não era suficiente para se obter uma nova casa. Pelo menos, não perto dali.

E assim o documentário nos mostra principalmente a insatisfação daqueles que aceitaram a oferta de se mudar para um apartamento, mas acerta mesmo quando encontra uma pessoa que resistiu a essa remoção: a Dona Mazé, uma senhora que se recusou a sair de sua casinha humilde, ainda mais tendo que aceitar parcos 20.000 reais apenas, valor inicialmente oferecido.

Dona Mazé é o coração de O LUGAR DAS PERDAS, que parece em alguns momentos não saber o que fazer com alguns personagens muito bons, como o sujeito que canta um samba sobre o Pirambu e que só aparece uma vez, por exemplo. (Embora seja digna de menção também a senhora que canta o hino do Pirambu e que se mostra valente diante dos infortúnios da vida, como a perda do filho, assassinado.) Mas é natural que isso aconteça quando o acaso pode trazer tanto algo pouco ou muito interessante para o documentarista. Dona Mazé se torna não só a pessoa mais importante do documentário, como também aquela que faz o espectador se comover. E faz o título do filme ganhar em significância e em triste poesia.

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