sexta-feira, junho 26, 2009
HUNGER
Um exercício de perseverança, HUNGER (2008), do estreante diretor que carrega o mesmo nome de um dos astros mais cultuados do cinema, Steve McQueen, requer do espectador um pouco de sacrifício. Mas ao ver a trajetória do ativista do IRA Bobby Sands (Michael Fassbender), percebemos que o nosso sacrifício para ver o filme não é nada. Afinal, o cara se doou pela causa. Usou o próprio corpo como arma numa situação onde não havia mais outra saída. E afinal, qual o sacrifício para o espectador? Além das cenas mais escatológicas e violentas e do processo de degeneração do corpo de Bobby na fase de greve de fome que é mostrada na parte final do filme, HUNGER também requer do espectador um pouco de paciência e boa vontade para assistir um longo take (16 minutos e meio) com a câmera parada mostrando um diálogo entre Bobby Sands e um amigo padre, quando ele se mostra decidido a iniciar a campanha de greve de fome. Essa cena foi concluída com sucesso na quarta tomada. O plano-sequência do diálogo, inclusive, é uma exceção num filme onde prevalece a quase ausência de diálogos. Steve McQueen aposta na força narrativa das imagens, belamente estruturadas no formato scope. Atenção para a bela e impactante sequência dos guardas do presídio na tentativa de abortar uma rebelião dos presos, que ficavam confinados nus em suas celas. Enquanto o pau comia, um dos guardas, no canto direito da tela, chorava escondido.
Há também uma longa cena de um sujeito limpando o corredor cheio de urina do presídio, que também está bem fora dos padrões do que se costuma ver em filmes mais convencionais. Aliás, não há muito de convencional em HUNGER. É um filme corajoso em diversos aspectos, difícil de ser distribuído tanto no circuito comercial quanto no hoje comportado circuito "de arte". Teriam que passar talvez com um aviso para pessoas mais sensíveis, já que não deve ser comum durante as sessões do filme mundo afora pessoas saindo no meio. Por isso, acho bem difícil HUNGER chegar a ser exibido nos cinemas brasileiros, mas deve ter o seu lugar no mercado de vídeo. Uma coprodução Reino Unido/Irlanda, a obra registra um momento especialmente difícil para os ativisitas separatistas da Irlanda do Norte na época da mão de ferro da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.
Curiosamente, o protagonista não é apresentado logo no início. É preciso cerca de meia-hora para que o filme crie coragem e mude o foco para ele. Até então, o ponto de vista é de um outro preso político que divide a cela com Bobby Sands, que naquela altura já pintava as paredes do lugar com suas próprias fezes. Alguém que consegue dormir na merda, consegue fazer qualquer coisa para alcançar seus objetivos. Levar bordoada dos guardas e ficar cheio de hematomas é fichinha e até deve fazer parte da diversão. As cenas que mostram o corpo esquelético do ator Michael Fassbender são ainda mais impressionantes do que ver Christian Bale só o coro e o osso em O OPERÁRIO. Fassbender foi monitorado por médicos durante sua difícil e dolorosa dieta para chegar naquele estado físico. Em certa altura, um dos médicos resume qual a repercussão da falta de alimento no corpo. Ainda assim, esperava algo ainda mais chocante. Acho que depois de MARTYRS, de Pascal Laugier, eu fiquei calejado.
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